sábado, 8 de agosto de 2009

XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM (Jo 6, 41-51)


1. "Os judeus murmuravam a respeito de Jesus: Não é este o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?".
Aqui, a grande dificuldade dos judeus é, no fundo, a dificuldade de todos nós, de entender e aceitar a realidade da encarnação de Jesus, a realidade de um Deus que desceu ao nosso nível, que se tornou homem, que assumiu nossa humanidade, que quis ser um de nós e que ousou misturar-se conosco. Por outro lado, a posição de Jesus é clara: quem quiser ser divino, seja humano. Isto significa dizer que a nossa humanidade não constitui um impedimento à nossa divindade. Podemos, muito bem, ser filhos de José e de Maria e, ao mesmo tempo, filhos de Deus, do divino. Ou seja, não devemos opor aquilo que não está, e nunca esteve, em oposição; pelo contrário, encontra-se em perfeita sintonia. Assim, somos chamados a entender, de uma vez por todas, que a santidade passa pela terrenidade, a vida do céu passa pela vida da terra, o divino não é o que sobe, é o que desce; não é o que voa, e sim, o que aterrissa. Em outras palavras, nada do que somos nós, humanamente falando, nos pode afastar de Deus; nem mesmo nossos erros, limitações e pecados e, menos ainda, coisas como o nosso mau-humor, nossa cara feia ou aparência relaxada.
2. E, por qual razão, o que somos não constitui nenhum obstáculo para a nossa salvação e eternidade?
Por um motivo muito simples: nós não somos o que somos; não somos a nossa aparência, nossos pensamentos ou sentimentos. Tudo isto muda, desaparece; é hoje e, amanhã, não mais será. Ao contrário, somos o que não morre em nós, a nossa essência espiritual. Como dizia um grande sábio: "somos o que restar de nós quando não restar mais nada". O mesmo, antes, já afirmava Jesus, ao dizer que o Espírito é que dá a vida e que a carne não adianta nada. Nesta perspectiva, nosso grande desafio é que sejamos capazes de olhar mais profundamente para nós mesmos, procurando perceber a essência e não a aparência, o que está dentro e não o que está fora, o definitivo e não o provisório. Trata-se da necessidade de nos desapegar de nossas falsas identidades. Afinal, nada do que pensamos ser, somos; nada do que pensam que somos, somos. Nenhum título, nenhuma profissão, nenhum reconhecimento social, nenhuma tradição familiar, nenhum talento especial ou coisa do gênero, tem a capacidade de nos definir. Sendo assim, o maior investimento que alguém pode fazer na sua vida, é no seu auto-conhecimento, uma vez que a pior doença que existe é a ignorância existencial, é não saber quem somos, de onde viemos e nem para onde vamos. E o mais grave de tudo é que, quanto menos sabemos sobre nós próprios, tanto maior será a nossa ignorância sobre os outros e sobre todas as coisas. Pois, na verdade, como diziam os antigos: "aquele que conhece tudo, mas não se conhece, ainda não conhece nada".
3. "Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desce do céu".
O texto não poderia ser mais claro: o alimento que comeram os nossos pais, por melhor e mais substancioso que tenha sido, já não serve para nós. Ou seja, as soluções oferecidas no passado, não servem para resolver os problemas do momento presente. Somos desafiados, a cada dia, a buscar soluções novas para os novos problemas de hoje. Novos pães para novas fomes. Este é um verdadeiro banho de água fria que o evangelho dá nas mentes mais conservadoras, naqueles que teimam em olhar só para trás e se recusam a enxergar um palmo que seja além do seu próprio nariz. Afinal de contas, nosso Deus não é aquele que foi, e sim, aquele que é. A perspectiva é sempre do presente e nunca do passado. Aliás, o momento presente é o único que temos. O passado já passou e o futuro ainda não chegou. Portanto, quem vive no passado ou no futuro, perde o instante, perde o único tempo que realmente existe. Neste sentido, segundo o evangelho em causa, somente quem se mostar capaz de estar inteiramente presente no presente, atento a todas as suas circunstâncias e aberto às novidades de cada momento, é quem terá possibilidade de saciar a sua fome, verdadeiramente. Este, sim, terá entendido as palavras do Cristo que diz: "eis aqui o pão que desce do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente". Oxalá que sejamos um destes.