XXIII DOMINGO COMUM (Mc 7, 31-37)
1. "Naquele tempo, Jesus saiu de novo... passou por... e continuou até... atravessando a região da Decápole".
Estas palavras mostram-nos o quanto Jesus é, essencialmente, um caminhante, um peregrino; alguém que não pára e nem se fixa em um só lugar. Já dizia Ele: "As raposas têm suas tocas e os pássaros têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". Com esta atitude, Jesus prepara-nos para viver a impermanência, a mudança, o desapego e a liberdade diante da vida. Convoca-nos, sobretudo, a que deixemos aquela "zona de conforto" que tende a nos acomodar, em todos os níveis da vida.
Em segundo lugar, a atitude de Jesus ajuda-nos a valorizar o caminho, cada etapa da nossa jornada. Afinal, não existe destino. O caminho já é o destino, uma vez que nunca sabemos se vamos mesmo chegar aonde queremos, mas sempre podemos saber onde estamos.
Em terceiro lugar, a atitude de Jesus estimula-nos a diversificar a nossa experiência, nossos conhecimentos, nossos contatos e convida-nos a evoluir nas nossas conquistas, nunca parando no que já alcançamos. Assim, se pararmos no que já temos, o que temos pode converter-se num impedimento ao que poderíamos ter. E, ainda que o bem possuído seja uma coisa boa, se nele paramos, podemos deixar de saborear um bem maior, uma coisa ainda melhor.
2. "Trouxeram-lhe um homem surdo que falava com dificuldade e pediram que Jesus lhe impusesse as mãos".
Sabemos que a fala é o principal instrumento de comunicação entre as pessoas e, portanto, facilitadora da convivência e do relacionamento humano. Logo, qualquer distúrbio na fala pode representar um obstáculo no relacionamento. Sendo assim, este surdo-mudo do evangelho é um retrato de todos nós, uma vez que a maior parte dos nossos problemas acontece no âmbito dos nossos relacionamentos. Portanto, ao curar aquele homem, Jesus nos vem restituir a nossa capacidade de comunicação, de convivência, de relacionamento. Deste modo, o texto em pauta apresenta-nos uma verdadeira pedagogia do bom relacionamento e, ao mesmo tempo, indica-nos um caminho para a cura dos relacionamentos feridos. Para isto, só precisamos observar e seguir os passos dados por Jesus.
3. "Jesus afastou-se com o homem para longe da multidão".
Isto nos indica que nunca devemos agir sob pressão, procurando responder a expectativas de fora, dos outros. Diante de qualquer problema que nos afete ou de acontecimentos que nos desafiem, devemos, sempre que possível, manter uma certa distância das vozes externas a fim de que possamos escutar a nossa própria voz, o que diz o nosso coração. Não se trata de fugir da realidade e das pessoas que nos cercam; trata-se, antes, de tomar assento num lugar de onde possamos enxergar melhor e qualificar mais a nossa compreensão e posterior decisão acerca de qualquer coisa. Diz-nos a sabedoria oriental: "Nunca tome nenhuma decisão importante na vida, envolvido no calor das emoções". Por outro lado, ao afastar-se com o homem para longe da multidão, Jesus nos acena para a importância do diálogo inter-pessoal, da escuta na fonte, da comunicação direta e sem rodeios entre pessoa e pessoa, etc., elementos fundamentais para o verdadeiro conhecimento das pessoas e de suas reais necessidades.
4. "Colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com saliva tocou a língua dele".
Ora, o toque físico é sempre um sinal de acolhimento, de aproximação, de intimidade, de confiânça e, também, de cuidado e de compromisso. Nesta perspectiva, tocar as pessoas pode se constituir numa autêntica terapia, uma atitude redentora, além de remédio infalível para desarmar os espíritos e quebrar barreiras entre as pessoas. Entretanto, não basta tocar o outro de qualquer jeito, tocar por tocar. É preciso o toque certo, do jeito certo, na hora certa e na pessoa certa. Em outras palavras, necessitamos, cada vez mais, qualificar e polir o nosso toque, tornando-o suave, delicado, oportuno e saudável o mais possível. Nunca é demais lembrar que o nossos corpo, muitas vezes, apresenta-se carregado de memórias negativas, talvez pelo fato de ter sido, repetidamente, mal tocado, manipulado, explorado, usado e abusado. Por isso mesmo, é urgente que recriemos toda esta memória corporal, em nós e nos outros, requalificando o nosso toque e inaugurando um novo modo, mais justo e equilibrado, de aproximação para com as pessoas, hoje e sempre.
5. "Olhando para o céu, suspirou e disse: ´Efatá`, que quer dizer: Abre-te".
Com este gesto, Jesus realça o poder das palavras. O que dizemos aos outros tanto pode curar quanto pode matar, derrubar ou levantar. Uma única palavra mal empregada, "mal-dita", pode causar um estrago irreversível na vida de alguém. Sendo assim, precisamos sempre pensar muito bem antes de dizer qualquer coisa. Como já dizia um sábio dos tempos atuais: "Se você não tiver uma boa palavra para dizer a alguém, cale-se". Afinal, nossas palavras nunca são inocentes, neutras ou isentas. Elas ajudam ou atrapalham; destróem ou constróem. Melhor é que aprendamos a guardar um certo silêncio antes de dizer quaisquer palavras; não falo de qualquer silêncio, mas daquele silêncio pleno de consciência, tempo e lugar de purificação, que se transforma em nós em uma espécie de "mãe de toda palavra justa".
Obs: Vemos que Jesus, neste milagre específico, abre primeiro os ouvidos do doente e só depois é que solta a sua língua. Este, quem sabe, seja um indicativo muito evidente de que precisamos mais ouvir do que falar. Aliás, diz a sabedoria popular que temos dois ouvidos e uma boca, exatamente por esta razão e para cumprir tal finalidade. Pensemos sobre isto!