quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

sábado, 31 de outubro de 2009

DOMINGO DE TODOS OS SANTOS (Mt 5,1-12a)

1. As bem-aventuranças do evangelho são uma promessa de felicidade, de plenitude e de santidade.
Em hebraico, bem-aventurado tem o sentido de 'estar em marcha', 'estar a caminho'. Nesta perspectiva, poderemos traduzir a sequência do texto da seguinte maneira: em marcha os pobres, em marcha os humildes, em marcha os que choram, os que têm fome e sede de justiça, etc. Isto significa dizer que o bem-aventurado do evangelho é aquela pessoa que sempre consegue dar um passo à frente, a partir do lugar em que se encontra. Por outro lado, a pessoa infeliz é aquela que insiste em ficar parada, estagnada, no lugar e na situação em que se encontra. Em outras palavras, o ser humano feliz não é aquele que não tem problemas na vida, e sim, aquele que não pára nos problemas que tem e que sabe continuar, apesar deles. Em hebraico, por exemplo, a palavra doença quer significar andar em círculos, estar preso, estar no inferno, fechado em suas circunstâncias, sofrimentos, pensamentos e emoções. Por isso mesmo, a bem-aventurança é apresentada como a capacidade de dar um passo a mais.
Aliás, esta é, também, uma bela definição de espiritualidade: dar um passo a mais, a partir do lugar onde se está. Deste modo, não temos nunca porque nos julgarmos uns aos outros. Como dizer que alguém caminhou até muito longe e que o outro apenas começou sua caminhada, se não podemos medir todos os passos que ambos deram? Às vezes cremos que alguém está muito longe e, na realidade, ele quase não andou. Outras vezes, temos a impressão de estar apenas começando e, na verdade, já tivemos necessidade de caminhar tanto. O que importa é este passo a mais que nos faz sair do inferno, do sofrimento, da prisão. Portanto, cada uma das palavras do evangelho de hoje, é um convite para que nos recoloquemos em marcha, a partir de nossas lágrimas, a partir do caminho que já percorremos e dos lugares onde já chegamos. Há ainda muito a se caminhar.
2. "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus".
Naturalmente, a expressão 'pobres em espírito' contrasta com a idéia de 'pobreza material', dela distinguindo-se. Ou seja, no entender do evangelho, ser rico ou ser pobre, não é somente uma questão de ter ou não ter bens materiais. Esta é uma questão muito mais complexa do que se pensa. Aliás, podemos encontrar muita miséria no meio dos ricos e muita riqueza no meio dos pobres. Sendo assim, ao falar de pobres em espírito, o evangelho deseja que eliminemos o perigo de uma visão simplista, reducionista sobre o assunto. Sabe-se que no tempo de Jesus, os ricos não eram apenas aqueles que possuíam riquezas materias, mas eram também os chamados fariseus que diziam possuir a verdade, que possuíam o conhecimento, que se acreditavam justos e que se tomavam por modelo da humanidade. Eram estes os ricos contra os quais Jesus se batia. Os que pretendiam ter, não somente, coisas materias, mas também riquezas intelectuais e espirituais; pretendiam ter a verdade e ter Deus.
É preciso, portanto, que nos tornemos pobres, 'pobres em espírito'. Isto é, que nos tornemos pobres de tudo o que sabemos. Aqui, não se trata de negar o que sabemos, trata-se de relativizar o nosso conhecimento. Tomarmos consciência que o que sabemos não é tudo, que o que sabemos não é grande coisa diante de tudo o que nos resta descobrir. Esta é a atitude que se espera do verdadeiro cientista, do autêntico sábio. Eles sabem o que sabem. Mas, sabem, também, que o seu saber é limitado e o que eles não sabem é infinito.
No que se refere ao universo religioso, por exemplo, podemos aplicar tal princípio da seguinte forma: todas as vezes que nos encontrarmos com pessoas pertencentes a religiões diferentes da nossa, devemos dizer: "Eu sei o que sei, eu sei o que eu conheço de Deus, mas sei que o que conheço dele é limitado e o que eu desconheço é infinito. E é, precisamente, este infinito que temos de descobrir juntos. Não podemos nos compreender só naquilo que conhecemos. Só podemos nos compreender bem naquilo que, juntos, ainda não conhecemos e que podemos buscar conhecer". Ora, para falar desta maneira é necessário que sejamos 'pobres em espírito', que é o contrário daquele que se acha proprietário de Deus, proprietário da verdade.
Logo, ser 'pobre em espírito' é não ter apego a quaisquer riquezas de caráter não-material ou espiritual, tais como: idéias, sentimentos, cultura, religião, etc. Caso contrário, correremos o risco de nos afogar em uma espécie de 'materialismo espiritual', muito comum nos tempos atuais.
Em suma, podemos dizer que a questão fundamental não reside em se ter ou não se ter as coisas, e sim, no modo como usamos o que temos e como buscamos adquirir o que não temos. Trata-se de encontrarmos a justa medida, o ponto de equilíbrio entre uma coisa e outra. Nas palavras de um místico contemporâneo: "Devemos aprender a usar o material de forma não materialista; aprender a imprimir espírito na matéria". É nisto que consiste o 'pobre em espírito' de que nos fala o texto evangélico.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

XXX DOMINGO COMUM ( Mc 10, 46-52).

1. "Jesus saiu de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho".
Jesus, ainda que esteja acompanhado dos seus discípulos e de uma grande multidão, conforme afirma o texto, não deixa de perceber e acolher uma pessoa em particular, com suas características próprias e seus problemas bem pessoais, mesmo que esta pessoa esteja 'à beira do caminho', isto é, longe de tudo e de todos, à margem da vida. Vemos, aqui, o quanto a nossa existência pessoal é importante para Deus. Não somos apenas um número, uma massa, um ser perdido no meio da multidão. Somos seres especiais, individualmente percebidos, acolhidos e amados por Deus, independentemente do lugar em que estejamos, de quantas outras pessoas estejam ao nosso redor ou das dificuldades pelas quais passamos. Nada neste mundo nos permite escapar aos olhos amorosos de Deus. Aliás, multidões por multidões nunca interessaram a Jesus. Ele sempre se interessou, isto sim, pelas pessoas, com seus rostos, suas histórias de vida, seus sofrimentos reais e suas lutas concretas por melhores dias. Não é à toa que o cego do evangelho de hoje seja apresentado como alguém que tem um nome: Bartimeu; e que tem um pai: Timeu. Trata-se, portanto, de um ser humano concreto, não de uma generalidade, de uma abstração. Bartimeu é alguém que, como nós, tem uma história de vida, que não é melhor nem pior do que a de ninguém; simplesmente, única e, como tal, diferente. E Deus, o Senhor da vida de todos e de todas as vidas, vai ao encontro dele e vem, igualmente, ao nosso encontro, a fim de nos libertar, individualmente, das muitas cegueiras que nos impedem de ver plenamente e de alcançar a iluminação.
2. "Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: 'Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim".
É certo que Deus nos vê e nos acolhe a todos, indistintamente, inclusive, pessoa a pessoa. Entretanto, é também certo, que Ele nos respeita, profunda e verdadeiramente, na nossa liberdade e, por isto mesmo, não nos obriga a aceitá-lo por meio da força, nem quer entrar em nossas vidas, arbitrariamente. Ao contrário, espera ser chamado; precisa ouvir o nosso 'grito', nosso convite, nosso pedido; receber nosso consentimento e permissão para entrar e se fazer presente em nós. Ora, foi exatamente isto que aconteceu com o cego do evangelho, Bartimeu. Ele passou boa parte dos seus longos e pesados dias de vida, mendigando, sentado à beira do caminho, conformado com a sua situação, sem que nada de novo e de bom acontecesse consigo, até o dia em que tomou consciência de que 'Jesus estava passando' por ali. Neste momento, começou a gritar. Este seu grito simboliza o despertar de uma consciência adormecida, o desabrochar da percepção da presença de Deus diante de si e, sobretudo, a certeza de que poderia mudar a sua vida e superar suas limitações. O grito de Bartimeu é, antes de tudo, a expressão do seu inconformismo com a situação precária que vive e, ao mesmo tempo, do seu desejo contundente de mudança. E a oportunidade para mudar estava ali, diante de si: Jesus que passava. Aliás, é bom sabermos que Jesus sempre está passando à nossa frente, o tempo todo. Portanto, não devemos ficar o tempo inteiro à espera de uma oportunidade para que mudemos de vida, num futuro distante e duvidoso; ela já está acontecendo aqui e agora, diante de nós. Oxalá que saibamos aproveitá-la.
3. "O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus".
Com suas atitudes, passo a passo, o cego Bartimeu nos apresenta uma autêntica pedagogia de superação e nos introduz num caminho iniciático de iluminação. Vejamos as etapas deste caminho:
1.ª) Ao gritar por Jesus, "muitos o repreendiam para que se calasse, mas ele gritava mais ainda". Ou seja, Bartimeu não se deixa influenciar negativamente pelas críticas e condenações alheias. Ele segue em frente na perseguição dos seus objetivos; é alguém que insiste, persiste e não desiste de ser feliz, ainda que tenha de superar corajosamente as muitas resistências que encontra pelo caminho e a má vontade dos outros.
2.ª) Quando soube que Jesus o chamava, ele "joga o manto fora, dá um pulo e vai ter com Jesus". Ou seja, ele abandona de vez o seu velho 'hábito' de mendigo, sua vestimenta de pedinte, sua atitude de gente pequena e incapaz. Em contrapartida, se reveste de uma outra atitude, assume uma nova postura: a postura de quem quer, de fato, transformar a sua vida e sente-se capaz de fazê-lo. Afinal de contas, se não nos esvaziamos de um passado ruím e indesejável, nunca poderá haver espaço em nós para nada de bom no presente. Ele parece ter aprendido que quem deseja resultados diferentes na vida, precisa, obrigatoriamente, fazer coisas diferentes. E assim o fez.
Por outro lado, ao dar um pulo, ele nos lembra que não basta fazer as coisas, ainda que sejam coisas boas; precisamos realizá-las com entusiasmo, alegria, confiança e força de vontade. Esta é a diferença que pode fazer a diferença.
3.ª) Ao ouvir a pergunta de Jesus: "O que queres que eu te faça"? Ele, prontamente, respondeu: "Mestre, que eu veja". Isto é, estamos diante de um homem que sabe, precisamente, o que quer de Jesus, o que quer da vida; alguém decidido, que não perde o foco do que lhe parece essencial. Assim, Bartimeu é exemplo do homem que sabe da real diferença entre o que, simplesmente, queremos e o que, de fato, necessitamos. E, mais do que isto, sabe que Deus, quando não atende aos nossos pedidos, talvez seja porque, o que pedimos nem sempre coincide com o que realmente necessitamos. Portanto, tratemos de melhorar a qualidade dos nossos pedidos.
4.ª) O evangelho diz que Bartimeu, logo que recuperou a vista, "seguia Jesus pelo caminho". Este é um detalhe sumamente importante, que fecha com chave de ouro o texto deste domingo. Afinal, na perspectiva de Bartimeu, não bastava curar-se; era fundamental continuar ligado à fonte de cura: Jesus. Em outras palavras, não é suficiente que superemos uma doença ou um mal qualquer em nossas vidas; é, também, indispensável que nos afastemos dos velhos hábitos, dos caminhos, pessoas, lugares e ocasiões que nos fizeram adoecer e que nos trouxeram o mal. Caso contrário, permaneceremos vulneráveis a novas ocorrências.

sábado, 10 de outubro de 2009

sábado, 26 de setembro de 2009

XXVI DOMINGO COMUM (Mc 9, 38-43.45.47-48).
1. "João disse a Jesus: 'Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos porque ele não nos segue. Disse Jesus: 'Não lhe proibam, pois, ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é por nós".
Este episódio dos evangelhos é, acima de tudo, paradigmático. Isto é, revela-nos um modelo a partir do qual devemos pensar e agir, hoje e sempre. Enfatiza a idéia fundamental de que nenhum de nós, individual ou coletivamente, é dono da verdade. Deus não é propriedade privada de ninguém, de nenhum grupo, de nenhuma religião. Ele não assinou qualquer contrato de exclusividade com nenhuma igreja, menos ainda, com alguma pessoa em particular. Ora, o que é bom é bom, embora seja um outro que o faça. Quem quer que seja que atue, verdadeiramente, em favor do ser humano, vem de Deus e a ele pertence. Portanto, devemos combater radicalmente a inveja que não nos deixa reconhecer as boas obras dos outros. Aprendamos a alegrar-nos com o bem que praticam e sejamos estimuladores de todas as formas de bondade e retidão que se manifestam nos demais, ainda que não pertençam à nossa religião, ao nosso grupo ou comunidade. No mais, sabemos que verdades como Deus, amor, bondade, etc., não são apenas idéias, conceitos ou teorias abstratas. São, antes, uma prática concreta, uma realidade palpável e devidamente encarnada. Lembro-me, aqui, da estória de um louco que pulava pelos corredores do hospício como se quisesse, em cada salto dado, agarrar algo com suas mãos. Passou um médico e perguntou-lhe o que estava fazendo. Ao que o louco respondeu: "Estou tentando pegar inhaca. O médico insiste: "E o que inhaca?". E o louco responde: "Sei lá, doutor; eu não peguei nenhum ainda". Moral da estória: Só se sabe o que é inhaca, quando se pega uma. Ou seja, só se sabe o que é o bem, quando se faz o bem; só se conhece o amor, quando se ama. E bondade e amor, assim como todas as virtudes fundamentais da vida, são fruto do Espírito Santo que, por sua vez, faz-se presente em todas as pessoas e sopra onde quer.
Por outro lado, sob o ponto de vista estritamente religioso, no mundo de hoje, ninguém pode ou deve excluir nenhuma experiência religiosa da sua própria experiência. Esta visão faz com que passemos a elaborar a nossa experiência religiosa pessoal a partir, também, das experiências complementares de outras tradições, num profundo respeito e legítima interação com os outros. Neste sentido, nenhuma experiência religiosa pode ser monopolizada por uma determinada religião ou igreja, pois, todas elas são experiências universais, pertencem à humanidade. Por exemplo: o fenômeno 'Cristo' pertence ao cristianismo, mas não é monopólio dos cristãos; o fenômeno 'buda' é específico do budismo, mas não é monopólio dos budistas. Há elementos cristãos no budismo e há elementos budistas no cristianismo. Todavia, isto não significa dizer que as pessoas devam deixar de ser católicas ou budistas, de pertencer a esta ou aquela religião. Nesta nova visão, o importante não é mudar de religião, e sim, mudar de paradigma religioso. E neste novo paradigma, busca-se colocar o ser humano numa atitude de percepção e acolhimento de todas as formas de religiosidade, uma vez que, todas as grandes igrejas e religiões da terra, à medida que perseguem a verdade, são profundamente complementares. Todas as formas de prática religiosa se tornam, de uma certa maneira, interdependentes, pelo fato de representarem, em última análise, os esforços de toda a humanidade em aproximar-se da vibração divina, do mistério de Deus. Afinal, não existe apenas um jeito único de amar.
2. "Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para o inferno, onde o fogo nunca se apaga".
Antes de mais nada, deve-se dizer que este texto, naturalmente, não pode e não deve ser tomado ao pé da letra, por nenhum de nós, em nenhuma circunstãncia. Entretanto, nem por isso, ficamos livres das suas graves e urgentes implicações, em se tratando das exigências inadiáveis e contundentes que ele nos faz. Sendo assim, num primeiro momento, as palavras de Jesus indicam-nos o cuidado que devemos ter em afastar de nós toda e qualquer ocasião de pecado, evitando, por este meio, suas nefastas consequências. Trata-se da necessidade que temos de construir, dia-a-dia, um comportamento preventivo acerca dos males que podemos causar a nós e aos outros. Afinal, é sempre melhor prevenir do que remediar.
Num segundo momento, se verificarmos que, apesar de todos os nossos esforços e cuidados, ainda assim agimos mal em uma ou outra ocasião, devemos procurar corrigir o nosso erro o quanto antes possível, cortando o mal pela raíz e impossibilitando, desta forma, o seu desenvolvimento. Aliás, sob certos aspectos, parar de fazer o mal, já é um bem. Lembro-me, aqui, do que dizia o Pe. Cícero a muitos que o procuravam para confessar os seus roubos e crimes: "Quem matou, não mate mais. Quem roubou não roube mais". Nesta perspectiva, podemos dizer que, parar o mal que iniciamos, é uma maneira de 'arrancar' de nós uma mão, um pé ou um olho; é ser capaz de recuperar o verdadeiro sentido da nossa vida, do nosso corpo e de cada um de seus membros, em particular. Afinal de contas, é fundamental que saibamos usar o nosso corpo como um instrumento de Deus para o bem do mundo, canal que conduz a vida divina onde quer que esteja. Somente assim, faremos justiça ao que ele sempre foi: templo vivo do Espírito Santo.
Num terceiro momento, estes versículos nos fazem um alerta radical, a fim de que percebamos, de uma vez por todas, que os bens da alma são superiores a todos os bens materiais e corporais, mesmo os mais apreciados. Trata-se de não nos deixar levar pela tentação fácil de trocar o definitivo-eterno pelo provisório-temporal, vivendo uma inversão de valores que, em nada, nos ajudará em termos de felicidade e, muito pelo contrário, nos levará a uma irremediável perda do sentido da vida. Pois, como dizia o próprio Cristo: "De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perdeu a sua vida"? Nesta mesma linha, um conhecido místico da atualidade, nos chama a atenção em um dos seus escritos, afirmando que é mais sensato e urgente, da nossa parte, perguntar sobre a nossa eternidade do que, simplesmente, perguntar sobre o nosso futuro. E continuava: "O ser humano feliz, talvez, seja aquele capaz de privar-se, agora, de um bem provisório, ainda que muito apreciável, em vista de um bem maior e definitivo, num tempo posterior. Por outro lado, o ser humano infeliz, talvez, seja aquele que resume a sua vida nos prazeres de cada dia, privando-se daquele que é o prazer por excelência, único capaz de saciar o nosso desejo". É, mais ou menos, como alguém que vai a um restaurante caro e de bom cardápio, 'empanturra-se' literalmente com as entradas: pão, broa, queijo, presunto, azeitonas, etc., e, com isto, fica totalmente impossibilitado de saborear as delícias do prato principal, para não falar da maravilhosa sobremesa. Oxalá que isto não nos aconteça!

sábado, 19 de setembro de 2009

XXV DOMINGO COMUM (Mc 9,30-37)

1. "Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galiléia e Jesus não queria que ninguém soubesse, porque estava ensinando seus discípulos".
Vemos, aqui, que Jesus ensinava a seus discípulos e o fazia numa circunstância bastante específica, ou seja, enquanto caminhava com eles. Mais uma vez, o evangelho nos mostra que somos chamados a ter contato e tomar conhecimento sobre as verdades fundamentais da vida, enquanto estamos a caminho, ou seja, à medida em que a vida vai acontecendo, no aqui e agora da nossa existência, no tempo e no lugar que nos encontramos, presentemente; e não, num tempo qualquer do futuro ou num outro lugar diferente daquele no qual estamos agora. Afinal, é caminhando que se aprende a caminhar, é vivendo que se aprende a viver. Por outro lado, todas as pessoas que caminham conosco e aquelas outras a quem encontramos no nosso caminho, existem para nos ensinar alguma coisa. Todas elas encarnam, a seu modo, a presença do próprio Cristo-Mestre em nós, inclusive, nos detalhes e pormenores do nosso dia-a-dia. Assim, talvez, sejamos capazes de perceber, por exemplo, que o motorista imprudente ou o adolescente respondão estejam aqui para ensinar-nos a ter paciência; bem como, o jovem punk, com seus cabelos coloridos e empinados, esteja aqui para ensinar-nos a não fazer julgamentos apressados, e assim por diante. Nossa tarefa é procurar saber, o mais possível, o que as pessoas estão nos ensinando, a cada momento da vida. Se fizermos isto, no mínimo, nos sentiremos menos aborrecidos, incomodados e decepcionados pelas ações e imperfeições alheias. Em geral, quando descobrimos o que os outros, direta ou indiretamente, estão tentando nos ensinar, torna-se fácil livrar-nos da frustração. Suponhamos, em mais um exemplo, que estejamos em uma agência bancária e que o atendente do caixa pareça estar propositalmente trabalhando bem devagar. Em vez de nos sentirmos incomodados ou com raiva, perguntemos: "O que ele está tentando me ensinar?" Talvez seja a complacência, ou a paciência, ou a tolerância ou, quem sabe, os três juntos. Portanto, enfrentar uma fila é uma excelente ocasião para o aprendizado. Logo, tudo que precisamos fazer é mudar nossa percepção e, ao invés de perguntar: "Por que estão fazendo isso?", perguntemos: "O que estão tentando me ensinar com isso?". Os resultados serão totalmente distintos.
2. "E dizia-lhes: O Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens e eles o matarão. Mas, depois de três dias, Ele Ressuscitará".
Ora, por qual motivo Jesus sempre fala aos discípulos sobre o sofrimento e a morte que estão por vir? Talvez, pelo fato de serem eles, paradoxalmente, nossos melhores mestres. Aliás, por mais que evitemos falar e nos desviemos destes assuntos difíceis, chega um tempo que isto não mais é possível e precisamos começar a pensar sobre eles, criar coragem e enfrentar a realidade nua e crua. Portanto, não devemos fugir do sofrimento ou temê-lo, pois, como diziam os antigos: "O sofrimento é uma necessidade. Precisamos dele para o nosso crescimento e para a construção da nossa maturidade hamana." Assim sendo, todo sofrimento tem uma lição a nos ensinar. Quando assimilamos esta lição, o sofrimento tende a cessar. Todavia, enquanto não o fazemos, ele tende a permanecer e a se repetir continuamente. Há uma prece tibetana que diz: "Senhor, fazei-me capaz de receber as dificuldades e os sofrimentos próprios deste dia, a fim de que o meu coração seja verdadeiramente despertado". Há, também, uma poesia persa assim traduzida: "Agradece a quem, por qualquer razão, te maltrata; pois, assim, te faz retornar ao espírito. Porém, preocupa-te com aqueles que te oferecem bem-estar; pois, assim, te afastam da prece". Martin Luther King, ativista negro pelos direitos civis dos afro-americanos, no auge do sofrimento e perseguição que experimentou, dizia: "Não peço a Deus que me livre do sofrimento. Peço que me faça vencer o sofrimento pela capacidade de sofrer". Infelizmente, vivemos hoje numa sociedade que deseja banir, a todo custo, o sofrimento. Somos uma geração de comodistas; formados, via de regra, para não suportar o menor incômodo. Porém, não se pode evitar ou destruir o inevitável e indestrutível. Precisamos aprender a lidar com ele. Afinal, somente quando entendermos a razão do sofrimento é que poderemos viver plenamente, acolhendo a sua lição e transformando-o naquilo que sempre foi: fonte de vida.
Por outro lado, é curioso que Jesus tenha ressuscitado só ao terceiro dia da sua morte, conforme havia anunciado. Ora, não poderia ter sido diferente? Não poderia ter sido num outro tempo, antes ou depois dos três dias? Por quê, exatamente, três dias? Com certeza, a verdade total deste mistério nos escapa. Entretanto, sabemos que o número três é, na perspectiva das sagradas escrituras, um número perfeito e indicativo de totalidade; por isso mesmo, capaz de encerrar um período e fechar um ciclo. Deus sabe, mais do que ninguém, o quanto o sofrimento e a morte necessitam de um tempo de maturação dentro de nós, para que sejam devidamente compreendidos, assimilados e superados. Em outras palavras, é fundamental que possamos vivenciar o nosso luto, chorar nossas dores e saborear plenamente nossas emoções, mesmo as indesejáveis. Afinal, as lágrimas são tão importantes quanto o riso. E todos sabemos, por experiência própria, que o tempo é um remédio indispensável e insubstituível para curar muitos dos nossos males. Ele faz verdadeiros milagres. Sabe-se, hoje, que muitos casos de câncer, por exemplo, originam-se de lutos que não foram vivenciados, de sofrimentos que não foram assimilados, de um passado que não deixamos passar e que está sempre voltando para nós, consumindo-nos e fazendo-nos adoecer. Sendo assim, aceitar o imperativo do tempo, a experiência da dor, do sofrimento e da morte, é uma verdadeira bem-aventurança, uma ressurreição. Daí, talvez, possamos entender melhor a razão pela qual, só ao terceiro dia, o Cristo tenha ressuscitado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

XXIV DOMINGO COMUM (Mc 8, 27-35)

1. "Naquele tempo, Jesus partiu com os seus discípulos para as povoações de Cesareia de Filipe".
Vemos que Jesus está sempre partindo. Trata-se de uma espécie de inquietude saudável e salutar, sinônimo de busca, de não comodismo, de abertura e de contínua evolução. Aliás, a lógica nos diz que só poderemos chegar aonde queremos se sairmos de onde estamos. Com certeza, muitas coisas boas deixam de acontecer em nossas vidas, simplesmente, porque não partimos, nos instalamos, nos acomodamos e, com isto, abdicamos do nosso direito à plenitude. Já dizia um profeta dos nossos tempos: "Seja modesto, peça o infinito". Inclusive, no evangelho das bem-aventuranças, a palavra "bem-aventurado" pode ser traduzida como "em marcha", ou seja, avante, em frente, caminhe. Assim sendo, sempre poderemos ser felizes quando nos tornamos capazes de dar um passo a partir do lugar e da situação em que estamos. Por outro lado, a infelicidade não é outra coisa, senão, ficar parados naquilo que nos acontece na vida, sejam coisas boas ou ruíns. Afinal, a realidade é sempre maior do que as circunstâncias, ainda que estas sejam bastante significativas e por demais marcantes. Em outras palavras, por pior ou melhor que estejamos, é sempre possível mudar e, quem sabe, melhorar ainda mais.
2. "No caminho, Jesus perguntou aos discípulos".
Isto é um forte indicativo de que as questões centrais da nossa vida, são formuladas enquanto estamos a caminho, em meio aos nossos passos, em pleno processo do existir humano de cada um de nós. Logo, devemos aprender a valorizar cada etapa da vida, cada passo dado. Para isto, precisamos imprimir sempre mais atenção ao nosso caminhar. Caso contrário, correremos o risco de perder nossa viagem, perdendo-nos de nós mesmos. A sabedoria milenar nos adverte quanto a isto, de modo bastante oportuno, dizendo-nos que a vida é aquilo que nos vai acontecendo enquanto fazemos planos para o futuro; visto que, o futuro é um tempo que pode nunca chegar e, ainda que chegue, é pouquíssimo provável que coincida totalmente com o que dele esperamos. Portanto, é no caminho que percorremos, enquanto o fazemos, que todas as questões da vida nos são colocadas, as mais e as menos importantes, exigindo de nós uma palavra, uma resposta, uma atitude.
3. "Quem dizem os homens que eu sou?... E vós, quem dizeis que eu sou?"
Creio que Jesus, nesta passagem, expressa o seu desejo de que todos nós tenhamos a nossa própria palavra sobre a vida, sobre as coisas, sobre as pessoas, sobre tudo, afinal. Ora, sabemos que a palavra é a expressão da nossa interioridade, ao mesmo tempo que revela a nossa compreensão ou ignorância acerca do que falamos. Assim, em certo sentido, podemos afirmar que a palavra, a nossa palavra, é a única coisa que nos pertence de fato, que é verdadeiramente coisa nossa. Vista sob este ângulo, ou nossa palavra encarna nossas convicções pessoais, ou manifesta convicções alheias. Isto é, ou escolhemos compreender por nós mesmos, ou escolhemos repetir a compreensão dos outros. Aliás, sempre desconfiei que a nossa existência não é outra coisa, senão, a oportunidade que temos de encontrar, a cada instante, a nossa própria palavra sobre tudo e sobre todos; uma chance contínua de passarmos da repetição à convicção. Tarefa esta, não tão fácil, todavia, imprescindível; pois, se não temos convicções, facilmente podemos inverter valores, relativizar o absoluto e absolutizar o relativo, dando demasiada importância ao que pouco ou nada vale, em detrimento daquilo que realmente importa. Por outro lado, ao repreender a Pedro, dizendo: "Longe de mim, satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens", Jesus nos diz claramente que não é suficiente termos uma palavra qualquer sobre a realidade. Nossa palavra precisa ter qualidade e expressar, obrigatoriamente, a verdade do que falamos. Do contrário, nada feito. Melhor que fiquemos calados.
4. "Jesus ordenou-lhes severamente que não falassem dele a ninguém".
Sempre me interroguei sobre o significado desta recomendação feita por Jesus aos seus discípulos, repetidas vezes no evangelho, proibindo-lhes de falar aos outros sobre a sua pessoa. Qual o verdadeiro motivo de tal proibição? A minha conclusão, ainda que as verdadeiras razões sempre escapem ao nosso domínio, é que Jesus fazia isto, simplesmente, para permitir que cada pessoa pudesse encontrar e formar suas convicções a partir dela própria, como fruto da sua busca e experiência pessoal, sem a interferência, apriori, de opiniões ou de experiências dos outros. Afinal de contas, as verdadeiras convicções nunca se copiam, se impõem ou se obrigam. No máximo, podem ser facilitadas ou despertadas. O resto do processo tem de ser feito, necessariamente, pelo aprendiz, por quem se coloca no caminho e se dispõe a caminhar.

sábado, 5 de setembro de 2009

XXIII DOMINGO COMUM (Mc 7, 31-37)
1. "Naquele tempo, Jesus saiu de novo... passou por... e continuou até... atravessando a região da Decápole".
Estas palavras mostram-nos o quanto Jesus é, essencialmente, um caminhante, um peregrino; alguém que não pára e nem se fixa em um só lugar. Já dizia Ele: "As raposas têm suas tocas e os pássaros têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". Com esta atitude, Jesus prepara-nos para viver a impermanência, a mudança, o desapego e a liberdade diante da vida. Convoca-nos, sobretudo, a que deixemos aquela "zona de conforto" que tende a nos acomodar, em todos os níveis da vida.
Em segundo lugar, a atitude de Jesus ajuda-nos a valorizar o caminho, cada etapa da nossa jornada. Afinal, não existe destino. O caminho já é o destino, uma vez que nunca sabemos se vamos mesmo chegar aonde queremos, mas sempre podemos saber onde estamos.
Em terceiro lugar, a atitude de Jesus estimula-nos a diversificar a nossa experiência, nossos conhecimentos, nossos contatos e convida-nos a evoluir nas nossas conquistas, nunca parando no que já alcançamos. Assim, se pararmos no que já temos, o que temos pode converter-se num impedimento ao que poderíamos ter. E, ainda que o bem possuído seja uma coisa boa, se nele paramos, podemos deixar de saborear um bem maior, uma coisa ainda melhor.
2. "Trouxeram-lhe um homem surdo que falava com dificuldade e pediram que Jesus lhe impusesse as mãos".
Sabemos que a fala é o principal instrumento de comunicação entre as pessoas e, portanto, facilitadora da convivência e do relacionamento humano. Logo, qualquer distúrbio na fala pode representar um obstáculo no relacionamento. Sendo assim, este surdo-mudo do evangelho é um retrato de todos nós, uma vez que a maior parte dos nossos problemas acontece no âmbito dos nossos relacionamentos. Portanto, ao curar aquele homem, Jesus nos vem restituir a nossa capacidade de comunicação, de convivência, de relacionamento. Deste modo, o texto em pauta apresenta-nos uma verdadeira pedagogia do bom relacionamento e, ao mesmo tempo, indica-nos um caminho para a cura dos relacionamentos feridos. Para isto, só precisamos observar e seguir os passos dados por Jesus.
3. "Jesus afastou-se com o homem para longe da multidão".
Isto nos indica que nunca devemos agir sob pressão, procurando responder a expectativas de fora, dos outros. Diante de qualquer problema que nos afete ou de acontecimentos que nos desafiem, devemos, sempre que possível, manter uma certa distância das vozes externas a fim de que possamos escutar a nossa própria voz, o que diz o nosso coração. Não se trata de fugir da realidade e das pessoas que nos cercam; trata-se, antes, de tomar assento num lugar de onde possamos enxergar melhor e qualificar mais a nossa compreensão e posterior decisão acerca de qualquer coisa. Diz-nos a sabedoria oriental: "Nunca tome nenhuma decisão importante na vida, envolvido no calor das emoções". Por outro lado, ao afastar-se com o homem para longe da multidão, Jesus nos acena para a importância do diálogo inter-pessoal, da escuta na fonte, da comunicação direta e sem rodeios entre pessoa e pessoa, etc., elementos fundamentais para o verdadeiro conhecimento das pessoas e de suas reais necessidades.
4. "Colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com saliva tocou a língua dele".
Ora, o toque físico é sempre um sinal de acolhimento, de aproximação, de intimidade, de confiânça e, também, de cuidado e de compromisso. Nesta perspectiva, tocar as pessoas pode se constituir numa autêntica terapia, uma atitude redentora, além de remédio infalível para desarmar os espíritos e quebrar barreiras entre as pessoas. Entretanto, não basta tocar o outro de qualquer jeito, tocar por tocar. É preciso o toque certo, do jeito certo, na hora certa e na pessoa certa. Em outras palavras, necessitamos, cada vez mais, qualificar e polir o nosso toque, tornando-o suave, delicado, oportuno e saudável o mais possível. Nunca é demais lembrar que o nossos corpo, muitas vezes, apresenta-se carregado de memórias negativas, talvez pelo fato de ter sido, repetidamente, mal tocado, manipulado, explorado, usado e abusado. Por isso mesmo, é urgente que recriemos toda esta memória corporal, em nós e nos outros, requalificando o nosso toque e inaugurando um novo modo, mais justo e equilibrado, de aproximação para com as pessoas, hoje e sempre.
5. "Olhando para o céu, suspirou e disse: ´Efatá`, que quer dizer: Abre-te".
Com este gesto, Jesus realça o poder das palavras. O que dizemos aos outros tanto pode curar quanto pode matar, derrubar ou levantar. Uma única palavra mal empregada, "mal-dita", pode causar um estrago irreversível na vida de alguém. Sendo assim, precisamos sempre pensar muito bem antes de dizer qualquer coisa. Como já dizia um sábio dos tempos atuais: "Se você não tiver uma boa palavra para dizer a alguém, cale-se". Afinal, nossas palavras nunca são inocentes, neutras ou isentas. Elas ajudam ou atrapalham; destróem ou constróem. Melhor é que aprendamos a guardar um certo silêncio antes de dizer quaisquer palavras; não falo de qualquer silêncio, mas daquele silêncio pleno de consciência, tempo e lugar de purificação, que se transforma em nós em uma espécie de "mãe de toda palavra justa".
Obs: Vemos que Jesus, neste milagre específico, abre primeiro os ouvidos do doente e só depois é que solta a sua língua. Este, quem sabe, seja um indicativo muito evidente de que precisamos mais ouvir do que falar. Aliás, diz a sabedoria popular que temos dois ouvidos e uma boca, exatamente por esta razão e para cumprir tal finalidade. Pensemos sobre isto!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

XXII DOMINGO COMUM (Mc 7, 1-8.14-15.21-23)

Neste evangelho de hoje, os fariseus e os doutores da lei são os nossos pedagogos. Eles nos ensinam como não devemos viver a vida; nos ensinam, portanto, com os seus erros. E aqui está uma primeira e importante lição: observar os erros dos outros, não para criticá-los, e sim, para não reproduzi-los em nossas vidas. Nesta perspectiva, resta-nos perguntar: de quais erros dos fariseus estamos falando? Eis alguns deles:
1º) Realçar sempre os defeitos das pessoas e nunca as suas qualidades.
Ora, sabemos muito bem que quando queremos encontrar defeitos numa dada pessoa, para criticá-la por causa deles, facilmente os encontramos. Basta procurá-los. Afinal, como bem diz o ditado popular: quem procura, acha. Entretanto, creio não ser este o melhor caminho para se ajudar alguém. Aliás, não conheço, pessoalmente, ninguém que tenha melhorado como pessoa, pelo fato de ter sido criticado ou corrigido ou, menos ainda, por ter sofrido algum tipo de humilhação por conta dos seus erros. Ao contrário, o que percebemos, em geral, é que ninguém gosta de ser criticado, mesmo dizendo que sim. E quando alguém usa aquele conhecido "chavão" de que aceita quaisquer críticas, desde que sejam construtivas, como a expressão "crítica construtiva" é muito subjetiva, é a mesma coisa que dizer: longe de mim com suas críticas. Por outro lado, é sempre bom lembrar que, na maioria das vezes, quando criticamos recorrentemente as pessoas, no fundo, estamos criticando a nós mesmos, aos nossos próprios defeitos não reconhecidos, não aceitos, não assumidos e, por isto mesmo, projetados nos outros. A sabedoria popular já diz que "quando apontamos um dedo contra alguém, têm pelo menos três outros apontando contra nós". No mais, já está provado e comprovado que ninguém muda ou corrige ninguém. Toda mudança verdadeira é fruto de uma caminhada pessoal, de um desejo, uma convicção, uma tomada de consciência.
2º) Viver obcecados pela limpeza, ordem e organização das coisas.
Ora, todos sabemos o quanto tais conceitos são relativos mediante pessoas e circunstâncias diferentes. Assim, muitas vezes, o que é limpeza para um, pode não o ser para outro; o que é ordem e organização na nossa visão, pode ser, inclusive, visto como desordem na perspectiva de outrem. Eu mesmo sou exemplo disto: na minha mesa, para quem olha de fora, há sempre uma certa desorganização. Entretanto, sempre sei onde encontrar cada coisa que nela está e, muito provavelmente, se alguém que não seja eu próprio, tentar arrumá-la, terei dificuldades para encontrar as coisas quando delas precisar. É o que costumamos chamar de "bagunça organizada". Querendo ou não, é assim que as coisas funcionam. Por outro lado, hoje já se sabe, segundo estudos de especialistas, que um pouco de poeira, de sujeira ou de "bagunça", numa justa medida, não faz mal a ninguém. Pelo contrário, pode, até mesmo, ajudar a criar uma certa imunidade e melhorar as nossas defesas, sobretudo nas crianças. Controvérsias à parte, o que quero dizer, na verdade, é que a limpeza, a ordem e a organização devem ser vistas sempre como um meio, um canal, um instrumento, e nunca como um fim em si mesmas. Trata-se, portanto, de verdades relativas que exigem de nós o máximo de respeito ao modo diverso com que as pessoas as concebem e as experimentam.
3º) Valorizar excessivamente os detalhes, as minúcias e os pormenores, perdendo a visão do conjunto, da totalidade.
O exemplo do evangelho é claríssimo: os fariseus estão com Jesus, mas não vêem Jesus; vêem as mãos dos discípulos. Isto nos adverte seriamente para as vezes nas quais nos perdemos em coisinhas miúdas, em bobagens ou detalhes insignificantes da vida e desviamos o nosso foco daquilo que realmente importa, das coisas valiosas e verdadeiramente fundamentais. Trata-se, aqui, da necessidade de darmos prioridade ao que de fato é prioritário na nossa vida. É hora de se perceber que a coisa mais importante da vida não é coisa, é gente; não é a nossa casinha arrumadinha, limpinha, bonitinha... mas, as pessoas que estão conosco. Acontece que, muitas e muitas vezes, somos impecáveis com as coisas e erramos redondamente com as pessoas. Por causa disto, muitos relacionamentos ficam comprometidos. Está na hora de mudarmos esta equação: se tivermos de errar, erremos com as coisas, mas, pelo amor de Deus, acertemos com as pessoas.
4º) Repetir o que fizeram os seus antepassados.
Os fariseus perguntam a Jesus por qual razão os discípulos dele não seguiam a tradição dos antigos. A resposta de Jesus não poderia ser mais clara: a tradição dos antigos serve para os antigos. Isto significa dizer que devemos ser capazes de deixar o passado no passado (ainda que este seja importante enquanto referência) e aceitar que o presente é distinto; não é melhor nem pior, mas é diferente. O que os nossos antepassados disseram ou fizeram no seu tempo, não nos oferece qualquer garantia de que seja oportuno de dizer ou fazer no nosso tempo. Neste sentido, foi o próprio Cristo quem nos disse: "Vocês farão coisas maiores do que as que faço". Aliás, não viemos ao mundo para repetir ninguém. Viemos aqui para fazer a diferença e se não o fizermos, teremos perdido a nossa viagem.
5º) Fazer a coisa certa do jeito errado.
Jesus diz: "Esse povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim". Isto me faz lembrar o que dizia uma mente lúcida dos nossos tempos: "A maior distância a ser vencida por um ser humano é aquela entre a cabeça e o coração". Creio que seja a mais pura verdade. Na maioria das vezes, é mais fácil percorrer o mundo inteiro do que cumprir este itinerário. O poeta Jimenez já advertia: "Não corras, não tenhas pressa. Afinal, aonde tens de ir é somente a ti". Deepak Chopra, médico e escritor indiano radicado nos Estados Unidos, também nos falava que "nós já somos o que nós procuramos". Por fim, um monge e escritor de inspiração budista, Jack Kornfield, numa das suas principais obras, intitulada "um caminho com o coração", afirma que não importa o caminho que escolhemos para percorrer na nossa vida; o que importa, de verdade, é saber se no nosso caminho há um coração. Enfim, são lições de ontem e de hoje que podem e devem ser utilizadas por cada um de nós, em busca de uma maior inteireza e coerência de vida, fator essencial para quem deseja encontrar felicidade nesta vida e por todo o sempre.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM (Jo 6, 60-69)


1. "Muitos disseram: Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las"?
Ora, de que palavras duras falavam alguns dos discípulos de Jesus? Com certeza, referiam-se àquelas que Ele havia pronunciado sobre o pão: "Eu sou o pão descido do céu. Quem come da minha carne, nunca mais terá fome". De fato, esta é uma palavra muitíssimo pesada e que nos obriga a mudar todo o conceito que carregamos sobre Deus, sobre o absoluto. Estamos habituados a buscar um Deus fora de nós: nas igrejas, nos mosteiros, nos lugares, pessoas e coisas sagradas. E, agora, Jesus nos apresenta um outro conceito, um outro caminho para Deus. Apresenta-nos um Deus que desce ao nosso nível, que se mistura conosco e que se entrega como alimento a ser comungado, consumido. Esta concepção, mais do que nova, é revolucionária. Ela nos obriga a abandonar todas as representações externas de Deus, que as religiões, igrejas e tradições espirituais nos deixaram como verdades. A máxima é outra, bem distinta: Se alguém quer encontrar Deus, procure-o dentro de si. Isso muda tudo. Nesta perspectiva, as nossas religiões, sem exceção, nunca poderão ser tomadas como um fim em si mesmas, e sim, instrumentos, meios que nos podem e devem ajudar no aprofundamento e vivência desta consciência. Lembro-me das palavras sábias do Dalai Lama, quando interrogado sobre qual seria a melhor religião. Dizia ele: "A melhor religião é aquela que faz de você uma pessoa melhor".
Por outro lado, a pelavra dura e direta de Jesus sobre o divino, no evangelho em causa, indica-nos que jamais devemos fazer concessões quando se trata da verdade. Ela precisa ser dita e defendida, doa a quem doer, como falava São Paulo: "Oportuna e inoportunamente". Ou seja, diante do que precisa ser dito e feito na vida, aquelas coisas essenciais que não podem deixar de ser, Jesus não faz arrodeios, não protela, não engana, não dissimula. Ele vai ao ponto. Sabe muito bem Ele que quanto mais a gente adia tais coisas ou foge delas, tanto mais se tornam complicadas nas nossas vidas. O filósofo Maquiavel já nos alertava quanto a isto, dizendo: "As más notícias, aquelas verdades mais dolorosas e difíceis, devem ser ditas de uma só vez. Quanto às boas, podemos até parcelar".
2. "O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada".
Com estas palavras, Jesus nos apresenta nossa verdadeira identidade, que não é física, e sim, espiritual. Ou seja, ao contrário do que normalmente se pensa, nós não somos um corpo vivendo uma experiência espiritual; somos um espírito, numa experiência corporal. Como já dizia uma mente lúcida dos nossos tempos, chamado Roberto Crema: "Enquanto não ousarmos falar de espiritualidade, não saberemos quem é o ser humano". Assim sendo, nossa dimensão espiritual é a mais importante de todas. Ela não está em oposição às outras, muito menos as exclui. Entretanto, é a que dá sentido a todas as demais. Talvez, aqui, encontremos o verdadeiro motivo de toda a crise que nos envolve na atualidade: viramos as costas para o espírito; a sedução do corpo e da matéria nos cegou a todos. Portanto, o grande desafio, agora, é fazermos o resgate da nossa, por assim dizer, "cidadania espiritual". Afinal, somos o que não morre em nós. No dizer do evangelho: "a carne não adianta nada". Por mais que nos custe aceitar, o corpo envelhece, adoece e, por fim, morre. Logo, quem fundamenta a sua busca somente nele, mais tarde ou mais cedo vai se decepcionar. Em geral, mais cedo do que mais tarde.
3. "As palavras que vos falei são espírito e vida".
Aqui, Jesus nos chama a atenção para o poder das palavras. E a pergunta que nos vem de imediato é: E nossas palavras? O que são elas? Ora, é sempre muito importante interrogar-nos sobre o que estamos a falar, quais as palavras que estamos a pronunciar o tempo todo. São positivas ou negativas? Alegram ou entristecem? Produzem vida ou morte? Dependendo da resposta, assim será a nossa vida. Ou seja, precisamos tomar consciência de que nossas palavras, em nenhum momento, são realidades neutras, inocentes ou isentas. Elas fazem muita diferença. Podem, inclusive, salvar-nos ou condenar-nos, a nós e a outros. Já nos alertava um místico conhecido: "Se você não tiver uma boa palavra para dizer, melhor que fique calado". Afinal, não devemos acrescentar sofrimento ao sofrimento que já existe, pondo mais lenha na fogueira. Outro, afirmava: "Só abra a boca para dizer uma palavra, quando tiver a certeza de que a sua palavra é melhor do que o silêncio". De outro modo, para vivermos melhor precisamos exercitar mais o nosso silêncio; não o silêncio visto como falta de interlocutores, e sim, aquele silêncio que é, antes, uma escuta profunda de nós mesmos, da nossa interioridade, da nossa alma. Um silêncio que, segundo o monge ortodoxo Jean-Yves Leloup, é a mãe de toda a palavra justa. Aliás, basta experimentar: se alguém for capaz de silenciar um pouco antes de falar ou fazer qualquer coisa que seja, não tardará a perceber que o resultado será outro.
4. "Jesus sabia desde o início quem eram eles".
Aqui está um detalhe importante do evangelho: porque Jesus os conhecia bem é que os escolhia como seus discípulos ou não. Talvez, isto nos queira dizer o quanto precisamos ser mais criteriosos e mais seletivos nos nossos relacionamentos. Ou seja, devemos sempre procurar enxugar os nossos relacionamentos, nossas companhias e amizades; observar quem nos levanta e quem nos derruba, quem nos alegra e quem nos deprime, quem nos enriquece e quem nos empobrece, etc. Evidentemente, não se trata, aqui, de alimentarmos uma espécie de puritanismo, elitismo ou qualquer tipo de preconceito contra quem quer que seja. Trata-se, no fundo, de sabermos distinguir pessoas de pessoas e de nunca perdermos de vista com quem estamos nos relacionando e quem é que temos diante de nós, o tempo todo. Aliás, quanto a isto, já nos alertava alguém, ao dizer: "Evite misturar-se com seus dissemelhantes". Tais palavras me fazem lambrar Jesus quando dizia para não jogarmos pérolas aos porcos. São coisas que nos fazem pensar.
5. "Vós também não quereis ir embora? Pedro responde: A quem iremos Senhor"?
Pedro reconhece que não há, fora de nós mesmos, outra opção, outros caminhos ou alternativas para quem busca ser feliz, para quem procura a Deus. Ou seja, a vida espiritual, que se dá na busca e no encontro de cada um consigo próprio, não é uma tarefa facultativa, opcional. É, antes, uma realidade imperativa, um caminho compulsório. Conclusão: Ou nos encontramos e nos tornamos felizes, de uma vez por todas; ou, ao contrário, nos perdemos e incorremos no risco de uma eterna infelicidade. As cartas estão lançadas. Avancemos e não tenhamos medo. Deus está conosco.

sábado, 8 de agosto de 2009

XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM (Jo 6, 41-51)


1. "Os judeus murmuravam a respeito de Jesus: Não é este o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?".
Aqui, a grande dificuldade dos judeus é, no fundo, a dificuldade de todos nós, de entender e aceitar a realidade da encarnação de Jesus, a realidade de um Deus que desceu ao nosso nível, que se tornou homem, que assumiu nossa humanidade, que quis ser um de nós e que ousou misturar-se conosco. Por outro lado, a posição de Jesus é clara: quem quiser ser divino, seja humano. Isto significa dizer que a nossa humanidade não constitui um impedimento à nossa divindade. Podemos, muito bem, ser filhos de José e de Maria e, ao mesmo tempo, filhos de Deus, do divino. Ou seja, não devemos opor aquilo que não está, e nunca esteve, em oposição; pelo contrário, encontra-se em perfeita sintonia. Assim, somos chamados a entender, de uma vez por todas, que a santidade passa pela terrenidade, a vida do céu passa pela vida da terra, o divino não é o que sobe, é o que desce; não é o que voa, e sim, o que aterrissa. Em outras palavras, nada do que somos nós, humanamente falando, nos pode afastar de Deus; nem mesmo nossos erros, limitações e pecados e, menos ainda, coisas como o nosso mau-humor, nossa cara feia ou aparência relaxada.
2. E, por qual razão, o que somos não constitui nenhum obstáculo para a nossa salvação e eternidade?
Por um motivo muito simples: nós não somos o que somos; não somos a nossa aparência, nossos pensamentos ou sentimentos. Tudo isto muda, desaparece; é hoje e, amanhã, não mais será. Ao contrário, somos o que não morre em nós, a nossa essência espiritual. Como dizia um grande sábio: "somos o que restar de nós quando não restar mais nada". O mesmo, antes, já afirmava Jesus, ao dizer que o Espírito é que dá a vida e que a carne não adianta nada. Nesta perspectiva, nosso grande desafio é que sejamos capazes de olhar mais profundamente para nós mesmos, procurando perceber a essência e não a aparência, o que está dentro e não o que está fora, o definitivo e não o provisório. Trata-se da necessidade de nos desapegar de nossas falsas identidades. Afinal, nada do que pensamos ser, somos; nada do que pensam que somos, somos. Nenhum título, nenhuma profissão, nenhum reconhecimento social, nenhuma tradição familiar, nenhum talento especial ou coisa do gênero, tem a capacidade de nos definir. Sendo assim, o maior investimento que alguém pode fazer na sua vida, é no seu auto-conhecimento, uma vez que a pior doença que existe é a ignorância existencial, é não saber quem somos, de onde viemos e nem para onde vamos. E o mais grave de tudo é que, quanto menos sabemos sobre nós próprios, tanto maior será a nossa ignorância sobre os outros e sobre todas as coisas. Pois, na verdade, como diziam os antigos: "aquele que conhece tudo, mas não se conhece, ainda não conhece nada".
3. "Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desce do céu".
O texto não poderia ser mais claro: o alimento que comeram os nossos pais, por melhor e mais substancioso que tenha sido, já não serve para nós. Ou seja, as soluções oferecidas no passado, não servem para resolver os problemas do momento presente. Somos desafiados, a cada dia, a buscar soluções novas para os novos problemas de hoje. Novos pães para novas fomes. Este é um verdadeiro banho de água fria que o evangelho dá nas mentes mais conservadoras, naqueles que teimam em olhar só para trás e se recusam a enxergar um palmo que seja além do seu próprio nariz. Afinal de contas, nosso Deus não é aquele que foi, e sim, aquele que é. A perspectiva é sempre do presente e nunca do passado. Aliás, o momento presente é o único que temos. O passado já passou e o futuro ainda não chegou. Portanto, quem vive no passado ou no futuro, perde o instante, perde o único tempo que realmente existe. Neste sentido, segundo o evangelho em causa, somente quem se mostar capaz de estar inteiramente presente no presente, atento a todas as suas circunstâncias e aberto às novidades de cada momento, é quem terá possibilidade de saciar a sua fome, verdadeiramente. Este, sim, terá entendido as palavras do Cristo que diz: "eis aqui o pão que desce do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente". Oxalá que sejamos um destes.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

XVIII DOMINGO COMUM (Jo 6, 24-35)

1. "Subiram às barcas e foram à procura de Jesus em Cafarnaum... Jesus disse-lhes: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos".
A multidão que procura Jesus, no evangelho em pauta, representa o conjunto de toda a humanidade, todos e cada um de nós em particular, quando buscamos satisfazer nossas fomes, nossos desejos e nossas necessidades humanas, ora nas coisas materiais (pão), ora nas pessoas (Jesus). Num primeiro momento, estas pessoas do texto, somos todos nós que buscamos a felicidade, via de regra, nos bens materiais, tais como: casa, comida, bebida, emprego, conforto, etc., e naquilo que eles nos podem proporcionar, efetivamente. Por outro lado, num segundo momento, somos nós, quando fazemos com que a nossa felicidade dependa das pessoas, dos outros, daqueles com quem nos relacionamos.
2. "Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna".
Jesus Cristo nos mostra que este caminho de felicidade que escolhemos, definitivamente, é um falso caminho. É bem verdade que a nossa mente desavisada facilmente se inclina a pensar que estaremos satisfeitos e felizes se possuirmos um certo número de riquezas, um certo número de posses, uma certa quantidade de prazer. Mas, se estivermos bem atentos ao que se passa, logo perceberemos que, quanto mais possuímos, mais desejamos possuir; quanto mais bebemos desta água, mais temos sede, mesmo que, se por um momento, nossa sede se acalme. Nestas observações sobre o funcionamento do nosso desejo, vemos que os objetos do desejo, em lugar de acalmá-lo, de preenchê-lo, não fazem senão aprofundá-lo cada vez mais. É, por isto mesmo, que Jesus tenta introduzir-nos num outro caminho, num outro pão, numa outra fonte de felicidade. A pergunta é: isto é possível? É possível conhecer uma felicidade que não seja dependente dos objetos de felicidade?
Ora, a maior parte do tempo nós somos felizes por causa de nossa saúde, por causa de uma posse. Nossa felicidade tem dependido de uma realidade externa. É hora de convidarmos o nosso psiquismo a conhecer uma felicidade não-dependente. Não dependente das circunstâncias, não dependente dos acontecimentos. Uma felicidade que seja uma fonte no interior de nós mesmos. E mesmo que os acontecimentos externos sejam nefastos ou muito difíceis, podemos sempre provar desta fonte. Afinal, nós todos conhecemos algumas pessoas que têm tudo para serem felizes, mas não são. E conhecemos também outras pessoas que não têm nada para serem felizes, nenhum destes objetos com os quais identificamos a felicidade e, no entanto, testemunham uma paz interior de fazer inveja.
3. "Não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Eu sou o pão da vida".
Aqui, Jesus nos fala da necessidade de buscarmos um alimento diferente. Ele nos ajuda a perceber, verdadeiramente, de que temos fome, afinal de contas. Trata-se de perguntarmos: o que desejamos essencialmente quando comemos algo? Qual é a nossa fome fundamental? Será que não estamos buscando a comida errada, por uma vida inteira? Aquela que, como diz Jesus, nunca nos saciará plenamente? Não estaremos buscando a coisa certa no lugar errado e com os instrumentos também errados?
Eu costumo pensar que a nossa felicidade não está na satisfação dos nossos desejos, das nossas fomes humanas, e sim, na nossa capacidade de enxugá-las, de diminuí-las, a fim de que possamos perceber e desejar o alimento essencial: Deus. Pois, como nos dizia Jesus, em outra passagem dos evangelhos: "buscai primeiro o Reino de Deus e tudo o mais vos será acrescentado". Por outro lado, quando alimentamos expectativas de que as pessoas é que nos farão felizes, tendemos à frustração, uma vez que nos frustramos na medida das nossas expectativas. Além de que, neste particular, não podemos pedir o infinito ao finito, o absoluto ao relativo. Por isso mesmo, nada e ninguém neste mundo têm condições de saciar a nossa fome e de nos dar felicidade. A saciedade e a felicidade são dádivas de Deus e de ninguém mais. Isto me faz lembrar aquela estória do homem que procurava as chaves de sua casa embaixo de uma luminária na sua rua. Um amigo que passava pergunta-lhe: "você tem certeza de que a perdeu aí?" Ao que ele respondeu: "Não, eu a perdi lá no quintal, mas aqui está mais claro". Então, fica evidente que precisamos procurar a coisa certa, no lugar certo e com os instrumentos certos. Caso contrário, nada feito.
Eis, portanto, o nosso grande desafio: Libertar-nos dos objetos do nosso desejo e descobrir, de fato, o sujeito do nosso desejo. Somente assim, se cumprirá em nós a palavra do evangelho, que diz: "quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede".

sexta-feira, 24 de julho de 2009

XVII DOMINGO COMUM (Jo 6, 1-15)
(A multiplicação dos pães e dos peixes)


O texto nos ajuda a entender o que devemos fazer diante da realidade da fome, pobreza e carências diversas que se fazem presentes no mundo em que vivemos. Ou seja, qual deve ser a melhor atitude frente aos milhões de necessitados e de necessidades humanas? O Evangelho nos apresenta, por assim dizer, um caminho iniciático extremamente prático e objetivo, composto de várias etapas:
1. Jamais devemos deixar de acreditar que, se existe um problema, é porque existe uma solução. Podemos desconhecer tal solução ou ela pode ser bastante difícil e complicada; porém, isto não nos dá o direito de negá-la ou tomá-la como inexistente. Todos conhecemos o ditado popular que diz que "Deus dá o frio conforme o cobertor". Assim sendo, os nossos problemas, longe de serem obstáculos intransponíveis, como muitas vezes os enxergamos, constituem um desafio à nossa inteligência, à nossa capacidade, aos nossos potenciais externos e internos, à nossa sensibilidade e inventividade. Isto significa dizer que os problemas nos mobilizam e nos capacitam a que lhes ofereçamos respostas e alternativas pontuais que, na ausência deles, não teríamos necessidade alguma de buscar. Daí que, as dificuldades da vida podem ser vistas como um presente de Deus, uma bênção, uma graça e uma oportunidade para o engrandecimento da nossa jornada pela vida. Deste modo, podemos dizer que viver é tornar-se capaz de encontrar soluções para os problemas da vida e, mais ainda, viver bem, com qualidade, é tornar-se capaz de oferecer as melhores soluções para os piores problemas.
2. Busquemos sempre superar a ilusão da separatividade, aquela idéia de que os outros são os outros e nós somos nós e de que não temos nada a ver com os problemas alheios. Os discípulos de Jesus, num primeiro momento, foram tentados a pensar assim: dispensar as multidões e pedir para que cada um se virasse sozinho na busca de comida. Ora, esta não é a realidade. Ao contrário, estamos sempre implicados uns nos outros. E o evangelho é claro: "dai-lhes vós mesmos de comer". Ou seja, somos responsáveis uns pelos outros; o problema de um de nós é o problema de todos nós. Portanto, não existem dois lados, o lado dos outros e o nosso. Todos os lados são o mesmo lado, são o nosso lado. Estamos, pois, no mesmo barco e se ele afundar, arrasta-nos a todos, indistintamente. Lembrem-se da história do naufrágio do Titanic: havia passageiros de primeira, segunda e terceira classes. Entretanto, quando afundou, todos apresentaram-se igualmente vulneráveis. Assim sendo, só nos resta cuidar uns dos outros, a fim de que todos possamos estar bem. Se cuidarmos apenas de nós mesmos, mais cedo ou mais tarde, sofreremos os respingos das situações indesejáveis em que vivem os demais, a quem viramos as costas.
3. Procuremos superar a tentação das soluções teóricas, dos discursos abstratos e dos debates de idéias, apenas. Muitas vezes, conversamos muito sobre os problemas porque não os queremos resolver. É como se as nossas conversas em torno das dificuldades reais, servissem para substituir atitudes concretas que nós, efetivamente, não estamos tomando. Só palavras e nada mais. E é isto que, em geral, tem acontecido nos meios políticos, educacionais e, até mesmo, nas nossas comunidades de Igreja: reuniões e mais reuniões. Se não tivermos o devido cuidado, as nossas conversas, debates e reuniões sobre os problemas das pessoas e do mundo, se tornam um fim em si mesmas, e não, um meio para que se encontrem as saídas. Aliás, um amigo padre certa vez perguntava a outros colegas: "para que serve uma reunião"? E ele próprio respondia: "para marcar a outra". Ora, Jesus, ao contrário, no evangelho de hoje, age no nível do problema. Ele oferece pão para quem precisa de pão e não manda, simplesmente, que rezem pelos famintos e necessitados. Assim, também, devemos sair do universo das teorias e iniciar alguma coisa concreta.
4. Aprendamos a agir inteligentemente. Ou seja, não basta fazer por fazer, ou fazer de qualquer maneira. É fundamental fazer da melhor maneira, planejando e organizando a nossa ação, a fim de que seja a mais inteligente possível e a que melhor alcance os resultados almejados. Foi por isso que Jesus mandou que todos se sentassem na grama; depois, fez a benção dos pães e dos peixes, distribuiu-os com os discípulos e, estes, depois, com a multidão. Isto significa dizer que precisamos sempre qualificar melhor o que fazemos, superando a tentação de ir fazendo de qualquer jeito e, ao mesmo tempo, imprimindo atenção, preparação, reflexão, disciplina, avaliação e tudo o mais que for necessário para a obtenção dos melhores resultados.
5. Realizemos o que está ao nosso alcance. Ou seja, não somos obrigados a dar comida a todos os famintos da face da terra, mas podemos e devemos fazer aquilo que está no nosso poder e que é compatível com as nossas reais condições. Alguém de nós pode muito bem dizer que não faz mais pelos outros porque também precisa de ajuda, também é pobre. Mas, um dia, quando melhorar de situação, aí sim, poderá dar a sua contribuição. Ora, se um de nós espera ajudar os outros somente quando tiver numa melhor situação, correrá o risco de nunca ajudar ninguém, pois sempre vai achar que ainda não pode, mesmo que melhore de situação. Lembremo-nos, à luz do evangelho, de que não temos todos os recursos que gostaríamos de ter em mãos; porém, temos cinco pães e dois peixes e é com eles que somos chamados a contribuir para saciar a fome do mundo. Em outras palavras, há duas coisas igualmente importantes que um ser humano precisa saber na vida: o que ele pode e o que ele não pode. Muitos, só pensam no que podem e, por vezes, acham que podem tudo. Por isso, frustram-se, mais cedo ou mais tarde. Outros, só pensam no que não podem e, por vezes, acham que nada podem. Estes, têm uma vida miserável, do princípio ao fim. A sabedoria se revela quando buscamos o justo equilíbrio entre o poder e o não poder, reconhecendo que nunca podemos todas as coisas, mas sempre podemos algumas coisas e que, nestas, somos chamados a investir o melhor de nós mesmos, para o nosso bem e o bem de toda a humanidade.
6. Precisamos investir numa prática de austeridade, evitando todo o acúmulo, os desperdícios, os excessos e o esbanjamento desavergonhado. Jesus pediu que recolhessem as sobras, para que nada se perdesse. E assim o fizeram e encheram doze cestos, diz o evangelho. Ora, sabemos que os bens da terra são finitos e são os mesmos para todas os seus habitantes. Assim sendo, o que sobra para uns pode ser exatamente o que está faltando para outros tantos. Portanto, não são suficientes para sustentar a riqueza de todos, mas são mais do que suficientes, se bem distribuídos, para oferecer uma vida digna a todos e a cada um. Certamente, o desejo de Jesus para a sociedade como um todo, não é que os ricos distribuam suas riquezas aos pobres e, estes, por sua vez, fiquem ricos. Ora, isto apenas inverteria as posições e não seria solução para nada. Com mais propriedade, vejo que toda a Sagrada Escritura nos leva a acreditar que o sonho de Deus é o de uma sociedade que aprenda a equilibrar-se entre os extremos da carência e do esbanjamento. Nesta busca, talvez, sejamos forçados a comprenender que a felicidade das pessoas nunca virá como fruto de uma mera distribuição da riqueza do mundo entre todos, e sim, pela igual distribuição da pobreza e da austeridade, de uma vida mais simples, da diminuição dos nossos desejos, ambições e vaidades e de uma forma mais responsável e menos inconsequente no uso dos bens que passam pelas nossas mãos.
Tomara Deus que este itinerário percorrido por Jesus, no evangelho em pauta, diante da fome das multidões do seu tempo, seja uma luz a iluminar nossa jornada nos dias atuais, diante das inúmeras carências de irmãos e irmãs.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

XVI DOMINGO COMUM (Mc 6, 30-34)

1. Mais uma vez, o evangelho começa e termina falando de ensinamento: primeiro, dos apóstolos; depois, de Jesus. Isto nos indica, claramente, que a nossa missão neste mundo é ensinar. E isto não é nenhuma presunção, pois só ensina verdadeiramente quem, antes, foi capaz de aprender. Portanto, estamos aqui para aprender, com tudo e com todos. O mundo é a nossa escola, as pessoas são nossos mestres e os acontecimentos que nos envolvem são o conteúdo programático dessa aprendizagem.
2. Neste sentido, é fundamental a gente saber que tudo na vida tem um propósito, uma razão de ser, um sentido; mesmo as coisas dolorosas, ruíns ou aparentemente absurdas. Podemos não conhecer, mas também nelas existe um propósito, uma lição a ser dada, uma mensagem que se revela. Sendo assim, quem deseja viver bem e com sabedoria, precisa ter uma postura aberta e acolhedora da vida como ela é; precisa aceitar que não temos o controle sobre nada; que o que nos vai acontecer hoje ou amanhã, não depende de nós. Por exemplo, quem dentre nós pode estar livre de um acidente, de um raio, de uma perseguição, de uma tragédia natural, de uma inveja, ciúme ou intriga, de um alimento contaminado ou de um descuido qualquer?
3. Nesta linha de raciocínio, podemos e devemos mudar a nossa postura frente aos acontecimentos. Quem sabe, ao invés de perguntarmos: por que isso foi acontecer comigo? Passemos a perguntar: o que este acontecimento está tentanto me ensinar? Com certeza, esta nova postura interior nos ajudará a que fiquemos menos aborrecidos, menos incomodados e mais conformados com a vida e, acima de tudo, nos fará crescer como seres humanos. Logo veremos que aquilo que nos acontece de ruím não é o mais importante. O que importa, de verdade, é o que fazemos com aquilo que nos acontece. Assim, por exemplo, para uma pessoa desatenta, a morte de uma lagarta é só mais a morte de um bichinho. Entretanto, para quem está mais atento, a morte de uma lagarta é o nascimento de uma borboleta. E isto vale, igualmente, para a perda de um emprego, o fracasso de um casamento, a morte de um ente querido, etc.
4. Em outras palavras, devemos aprender a lançar um olhar positivo sobre todas as coisas da vida, inclusive, sobre as que parecem negativas, absurdas ou inaceitáveis. Elas também têm o seu lugar ao sol. Trata-se, aqui, de transformar tudo numa oportunidade de crescimento, de testemunho de fé, de mostrar quem somos de fato. Aliás, não se conhece uma pessoa antes que o sofrimento tenha batido à sua porta. É muito fácil ser equilibrado quando tudo está equilibrado. Porém, nossa real identidade só se revela nas tribulações e no sofrimento.
5. Todavia, só teremos condições de enfrentar serenamente os sofrimentos da vida, preparando-nos para eles, de preferência, antes que cheguem até nós, pois não sabemos o dia nem a hora. Como já dizia um grande sábio: "a felicidade nunca está ao alcance dos despreparados". Ou, no dizer de um outro: "a sorte é quando o preparo encontra a oportunidade". E, aqui pra nós, sempre haverá uma oportunidade para quem se prepara.
6. O evangelho continua dizendo que havia tanta gente chegando e saindo que os apóstolos não tinham tempo nem para comer. Este é, de fato, um retrato fiel da nossa vida hoje. Somos caracterizados pela correria, a pressa e a falta de tempo. O curioso é que corremos para ter mais tempo e, ainda assim, não o temos. É como aquela estória do piloto de avião que disse aos seus passageiros: "senhoras e senhores, tenho duas notícias para lhes dar. A primeira é que, neste exato momento, perdemos o contato com a terra e não sabemos onde estamos e nem para onde vamos; a segunda é a notícia boa: a aeronave está em perfeitas condições e estamos voando à toda velocidade". Isto seria cômico se não fosse trágico.
7. Assim somos nós: sempre correndo. Corremos para chegar num dado lugar, depois corremos para voltar de lá. Ou seja, nunca estamos plenamente em lugar algum, por um breve momento que seja. Estamos o tempo todo em trânsito. O pior, ainda, é que quando você vê todo mundo correndo, começa a correr também. Facilmente pegamos os rítmos uns dos outros. E o mais trágico em tudo isto é que quando não precisamos mais correr de forma alguma, num feriado, num dia santo, numas férias ou na aposentadoria, não conseguimos mais parar. Afinal, depois de tantos anos de correria, torna-se praticamente impossível livrar-nos dela. Vejam a loucura a que chegamos.
8. A proposta de Jesus para todos nós é clara: "venham sozinhos para um lugar deserto e afastado e descansem um pouco". É isto o que todos nós necessitamos: dar um basta a essa pressa louca que não nos levará a lugar nenhum. Aliás, muitas vezes, corremos de um lugar a outro, de uma situação a outra; mudamos aqui e ali, ora de emprego, ora de carro, de casa, de esposo ou esposa... porque, no fundo, não temos coragem de mudar a nós mesmos. Neste sentido, já nos dizia o poeta: "não corras, não tenhas pressa. Afinal, aonde tens de ir é somente a ti". A ordem, então, é uma só: parar, reduzir nossas atividades, enxugar nossa agenda, viver mais devagar; perceber que a calma não é incompatível com a eficiência. Ao contrário, a pressa é que nos torna superficiais e frustrados. Pesquisas realizadas nos atestam que a própria inteligência aumenta quando pensamos menos e mais lentamente e que a velocidade com que pensamos é diretamente proporcional ao esquecimento.
9. Conclusão: Se tivermos urgência em fazer algo, a única garantia de que o faremos é fazendo devagar, com calma. Não precisamos nos apressar nem mesmo para buscar a Deus. Não há qualquer necessidade de correr para encontrá-lo. Aprendi que não é aquele que busca apressado que encontra Deus, e sim, aquele que se sente à vontade, em casa no universo, descontraído com a existência, numa atitude de aceitação total e de uma serena interação com tudo e com todos na vida. Aliás, Deus nunca exige que façamos nada, que mudemos nada. Apenas, deseja que sejamos atentos e vigilantes diante de tudo. Tudo o mais virá como consequência natural.
10. Então, a partir de hoje, ao invés de dizermos aos outros, como costumamos dizer: "não fique aí parado, vê se faz alguma coisa", quem sabe, possamos dizer diferentemente: "não fique aí o tempo todo fazendo as coisas, vê se pára um pouco, se aquieta e pergunta o que realmente importa fazer". Afinal, não estamos aqui para fazer muitas coisas. Estamos aqui para não deixar de fazer o essencial. Compreender isto é o grande desafio da vida e o segredo do bem viver.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

XI DOMINGO DO TEMPO COMUM (Mc 4, 26-34)

1. "O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra". Isto significa que a nossa primeira tarefa na vida, como seres humanos e como cristãos, é semear, agir e agir com autonomia, de forma não-dependente. Afinal, não é justo que nos tornemos reféns da vontade dos outros. Isto equivale a dizer que o Reino de Deus acontece em nossas vidas quando deixamos de viver para dar satisfação aos outros ou cumprir expectativas alheias. Devemos agir e viver por nós mesmos, pela nossa consciência, por nossa própria motivação. Todavia, é sempre bom lembrar que isto não é nada fácil, pois o que mais buscamos na vida, em geral, é a aprovação dos outros, a aceitação pública, o reconhecimento, etc., nem que para isto sejamos obrigados a sacrificar os nossos valores, princípios e nossa própria consciência. Como é difícil aceitar não ser aceito; assimilar uma crítica, uma reprovação, um comentário desfavorável, um ambiente hostil, etc. Precisamos de muito esforço, exercício e dedicação para que não nos desviemos do nosso eixo, da nossa verdade.
2. Por outro lado, agir incondicionalmente significa tomar consciência de que os primeiros destinatários do que fazemos, somos nós mesmos. Ou seja, existe uma pessoa, que é a minha pessoa, antes de qualquer outra pessoa. Logo, tudo o que fazemos aos outros, o recebemos primeiro. E isto se aplica tanto em relação a atitudes positivas quanto a negativas. Por exemplo, quando temos raiva, recebemos raiva; quando sentimos amor, recebemos amor. Muitas vezes, o que desejamos ou fazemos, direcionado aos outros, nem mesmo chega ao destino almejado; entretanto, nunca deixa de atingir-nos a nós.
3. Agir incondicionalmente, significa, ainda, saber que toda boa ação é completa em si mesma, prescinde de qualquer resultado ou da necessidade de uma resposta, de um reconhecimento, de uma reação. Isto é, quando eu planto, eu já colho. Meu pai, por exemplo, era agricultor e ao chegar o tempo do plantio, ele sempre plantava, com a terra molhada ou seca. Isto porque, plantar, para ele, era uma satisfação; e colher, quando havia colheita, era outra satisfação.
4. Agir incondicionalmente é, também, desprender-se dos resultados. Aliás, os resultados daquilo que fazemos nunca dependem de nós; não temos nenhum domínio neste campo. A única coisa que controlamos, ainda que de modo relativo, é a nossa atitude pessoal. Por isso, em tudo na vida, devemos sempre fazer a nossa parte, da melhor forma possível, e acreditar que os outros farão a parte deles e que os resultados, mais cedo ou mais tarde, aparecerão como consequência natural da nossa motivação e entrega ao que fizemos. Afinal de contas, quando agimos, sempre despertamos a ação dos outros e, se a ação é boa, naturalmente, despertamos a bondade no agir alheio.
5. Agir incondicionalmente é semear sem esperar ou exigir as condições ideais do terreno no qual semeamos. O que acontece, boa parte das vezes, é que ficamos aguardando um tempo e um ambiente totalmente favoráveis para fazer o que temos de fazer. Ora, isto, definitivamente, não existe. Precisamos aprender a trabalhar com o que temos, com o que está em nossas mãos, com a realidade possível. Esta é a única existente; o resto é abstração e nada mais. Portanto, a ordem é: começar já. Afinal, só poderemos aperfeiçoar aquilo que iniciamos. Logo, só nos resta iniciar agora mesmo.
6. "O Reino de Deus é como um grão de mostarda". Isto nos quer indicar o grande valor que existe nas `pequenas coisas, nos acontecimentos do cotidiano e nas pessoas simples. No fundo, a parábola da semente de mostarda é um convite a que retornemos à simplicidade de outrora, quando éramos todos felizes e não sabíamos. Trata-se de mudarmos os nossos referenciais de valor, nossos paradigmas, para sabermos que a felicidade não consiste em se ter algo diferente daquilo que se tem ou em adquirir sempre mais coisas, somando-as às muitas já possuídas. Pelo contrário, o ser humano feliz de verdade é aquele que pode prescindir do mais possível. Assim, o grão de mostarda a que se compara o Reino de Deus, convida-nos e desafia-nos a diminuir os nossos desejos, enxugá-los ao máximo e adequá-los às nossas reais necessidades. Este é, quem sabe, o único caminho que pode levar uma real quietude ao coração humano. O contrário, poderá ser insuportável para o mundo.
Na prática, por exemplo, diante da tentação do consumo desenfreado de bens, da mania de comprar por comprar e do hábito de acumular coisas sobre coisas, podemos sempre nos perguntar, antes de qualquer compra que desejemos fazer: eu necessito mesmo disto ou apenas quero isto? Ora, se formos honestos e levarmos a resposta à sério, logo perceberemos que precisamos de muito pouco para viver com felicidade e com plenitude. E, mais do que isto, tomaremos consciência de que o pouco de que precisamos, já temos conosco.