sábado, 31 de outubro de 2009

DOMINGO DE TODOS OS SANTOS (Mt 5,1-12a)

1. As bem-aventuranças do evangelho são uma promessa de felicidade, de plenitude e de santidade.
Em hebraico, bem-aventurado tem o sentido de 'estar em marcha', 'estar a caminho'. Nesta perspectiva, poderemos traduzir a sequência do texto da seguinte maneira: em marcha os pobres, em marcha os humildes, em marcha os que choram, os que têm fome e sede de justiça, etc. Isto significa dizer que o bem-aventurado do evangelho é aquela pessoa que sempre consegue dar um passo à frente, a partir do lugar em que se encontra. Por outro lado, a pessoa infeliz é aquela que insiste em ficar parada, estagnada, no lugar e na situação em que se encontra. Em outras palavras, o ser humano feliz não é aquele que não tem problemas na vida, e sim, aquele que não pára nos problemas que tem e que sabe continuar, apesar deles. Em hebraico, por exemplo, a palavra doença quer significar andar em círculos, estar preso, estar no inferno, fechado em suas circunstâncias, sofrimentos, pensamentos e emoções. Por isso mesmo, a bem-aventurança é apresentada como a capacidade de dar um passo a mais.
Aliás, esta é, também, uma bela definição de espiritualidade: dar um passo a mais, a partir do lugar onde se está. Deste modo, não temos nunca porque nos julgarmos uns aos outros. Como dizer que alguém caminhou até muito longe e que o outro apenas começou sua caminhada, se não podemos medir todos os passos que ambos deram? Às vezes cremos que alguém está muito longe e, na realidade, ele quase não andou. Outras vezes, temos a impressão de estar apenas começando e, na verdade, já tivemos necessidade de caminhar tanto. O que importa é este passo a mais que nos faz sair do inferno, do sofrimento, da prisão. Portanto, cada uma das palavras do evangelho de hoje, é um convite para que nos recoloquemos em marcha, a partir de nossas lágrimas, a partir do caminho que já percorremos e dos lugares onde já chegamos. Há ainda muito a se caminhar.
2. "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus".
Naturalmente, a expressão 'pobres em espírito' contrasta com a idéia de 'pobreza material', dela distinguindo-se. Ou seja, no entender do evangelho, ser rico ou ser pobre, não é somente uma questão de ter ou não ter bens materiais. Esta é uma questão muito mais complexa do que se pensa. Aliás, podemos encontrar muita miséria no meio dos ricos e muita riqueza no meio dos pobres. Sendo assim, ao falar de pobres em espírito, o evangelho deseja que eliminemos o perigo de uma visão simplista, reducionista sobre o assunto. Sabe-se que no tempo de Jesus, os ricos não eram apenas aqueles que possuíam riquezas materias, mas eram também os chamados fariseus que diziam possuir a verdade, que possuíam o conhecimento, que se acreditavam justos e que se tomavam por modelo da humanidade. Eram estes os ricos contra os quais Jesus se batia. Os que pretendiam ter, não somente, coisas materias, mas também riquezas intelectuais e espirituais; pretendiam ter a verdade e ter Deus.
É preciso, portanto, que nos tornemos pobres, 'pobres em espírito'. Isto é, que nos tornemos pobres de tudo o que sabemos. Aqui, não se trata de negar o que sabemos, trata-se de relativizar o nosso conhecimento. Tomarmos consciência que o que sabemos não é tudo, que o que sabemos não é grande coisa diante de tudo o que nos resta descobrir. Esta é a atitude que se espera do verdadeiro cientista, do autêntico sábio. Eles sabem o que sabem. Mas, sabem, também, que o seu saber é limitado e o que eles não sabem é infinito.
No que se refere ao universo religioso, por exemplo, podemos aplicar tal princípio da seguinte forma: todas as vezes que nos encontrarmos com pessoas pertencentes a religiões diferentes da nossa, devemos dizer: "Eu sei o que sei, eu sei o que eu conheço de Deus, mas sei que o que conheço dele é limitado e o que eu desconheço é infinito. E é, precisamente, este infinito que temos de descobrir juntos. Não podemos nos compreender só naquilo que conhecemos. Só podemos nos compreender bem naquilo que, juntos, ainda não conhecemos e que podemos buscar conhecer". Ora, para falar desta maneira é necessário que sejamos 'pobres em espírito', que é o contrário daquele que se acha proprietário de Deus, proprietário da verdade.
Logo, ser 'pobre em espírito' é não ter apego a quaisquer riquezas de caráter não-material ou espiritual, tais como: idéias, sentimentos, cultura, religião, etc. Caso contrário, correremos o risco de nos afogar em uma espécie de 'materialismo espiritual', muito comum nos tempos atuais.
Em suma, podemos dizer que a questão fundamental não reside em se ter ou não se ter as coisas, e sim, no modo como usamos o que temos e como buscamos adquirir o que não temos. Trata-se de encontrarmos a justa medida, o ponto de equilíbrio entre uma coisa e outra. Nas palavras de um místico contemporâneo: "Devemos aprender a usar o material de forma não materialista; aprender a imprimir espírito na matéria". É nisto que consiste o 'pobre em espírito' de que nos fala o texto evangélico.