quinta-feira, 20 de agosto de 2009

XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM (Jo 6, 60-69)


1. "Muitos disseram: Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las"?
Ora, de que palavras duras falavam alguns dos discípulos de Jesus? Com certeza, referiam-se àquelas que Ele havia pronunciado sobre o pão: "Eu sou o pão descido do céu. Quem come da minha carne, nunca mais terá fome". De fato, esta é uma palavra muitíssimo pesada e que nos obriga a mudar todo o conceito que carregamos sobre Deus, sobre o absoluto. Estamos habituados a buscar um Deus fora de nós: nas igrejas, nos mosteiros, nos lugares, pessoas e coisas sagradas. E, agora, Jesus nos apresenta um outro conceito, um outro caminho para Deus. Apresenta-nos um Deus que desce ao nosso nível, que se mistura conosco e que se entrega como alimento a ser comungado, consumido. Esta concepção, mais do que nova, é revolucionária. Ela nos obriga a abandonar todas as representações externas de Deus, que as religiões, igrejas e tradições espirituais nos deixaram como verdades. A máxima é outra, bem distinta: Se alguém quer encontrar Deus, procure-o dentro de si. Isso muda tudo. Nesta perspectiva, as nossas religiões, sem exceção, nunca poderão ser tomadas como um fim em si mesmas, e sim, instrumentos, meios que nos podem e devem ajudar no aprofundamento e vivência desta consciência. Lembro-me das palavras sábias do Dalai Lama, quando interrogado sobre qual seria a melhor religião. Dizia ele: "A melhor religião é aquela que faz de você uma pessoa melhor".
Por outro lado, a pelavra dura e direta de Jesus sobre o divino, no evangelho em causa, indica-nos que jamais devemos fazer concessões quando se trata da verdade. Ela precisa ser dita e defendida, doa a quem doer, como falava São Paulo: "Oportuna e inoportunamente". Ou seja, diante do que precisa ser dito e feito na vida, aquelas coisas essenciais que não podem deixar de ser, Jesus não faz arrodeios, não protela, não engana, não dissimula. Ele vai ao ponto. Sabe muito bem Ele que quanto mais a gente adia tais coisas ou foge delas, tanto mais se tornam complicadas nas nossas vidas. O filósofo Maquiavel já nos alertava quanto a isto, dizendo: "As más notícias, aquelas verdades mais dolorosas e difíceis, devem ser ditas de uma só vez. Quanto às boas, podemos até parcelar".
2. "O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada".
Com estas palavras, Jesus nos apresenta nossa verdadeira identidade, que não é física, e sim, espiritual. Ou seja, ao contrário do que normalmente se pensa, nós não somos um corpo vivendo uma experiência espiritual; somos um espírito, numa experiência corporal. Como já dizia uma mente lúcida dos nossos tempos, chamado Roberto Crema: "Enquanto não ousarmos falar de espiritualidade, não saberemos quem é o ser humano". Assim sendo, nossa dimensão espiritual é a mais importante de todas. Ela não está em oposição às outras, muito menos as exclui. Entretanto, é a que dá sentido a todas as demais. Talvez, aqui, encontremos o verdadeiro motivo de toda a crise que nos envolve na atualidade: viramos as costas para o espírito; a sedução do corpo e da matéria nos cegou a todos. Portanto, o grande desafio, agora, é fazermos o resgate da nossa, por assim dizer, "cidadania espiritual". Afinal, somos o que não morre em nós. No dizer do evangelho: "a carne não adianta nada". Por mais que nos custe aceitar, o corpo envelhece, adoece e, por fim, morre. Logo, quem fundamenta a sua busca somente nele, mais tarde ou mais cedo vai se decepcionar. Em geral, mais cedo do que mais tarde.
3. "As palavras que vos falei são espírito e vida".
Aqui, Jesus nos chama a atenção para o poder das palavras. E a pergunta que nos vem de imediato é: E nossas palavras? O que são elas? Ora, é sempre muito importante interrogar-nos sobre o que estamos a falar, quais as palavras que estamos a pronunciar o tempo todo. São positivas ou negativas? Alegram ou entristecem? Produzem vida ou morte? Dependendo da resposta, assim será a nossa vida. Ou seja, precisamos tomar consciência de que nossas palavras, em nenhum momento, são realidades neutras, inocentes ou isentas. Elas fazem muita diferença. Podem, inclusive, salvar-nos ou condenar-nos, a nós e a outros. Já nos alertava um místico conhecido: "Se você não tiver uma boa palavra para dizer, melhor que fique calado". Afinal, não devemos acrescentar sofrimento ao sofrimento que já existe, pondo mais lenha na fogueira. Outro, afirmava: "Só abra a boca para dizer uma palavra, quando tiver a certeza de que a sua palavra é melhor do que o silêncio". De outro modo, para vivermos melhor precisamos exercitar mais o nosso silêncio; não o silêncio visto como falta de interlocutores, e sim, aquele silêncio que é, antes, uma escuta profunda de nós mesmos, da nossa interioridade, da nossa alma. Um silêncio que, segundo o monge ortodoxo Jean-Yves Leloup, é a mãe de toda a palavra justa. Aliás, basta experimentar: se alguém for capaz de silenciar um pouco antes de falar ou fazer qualquer coisa que seja, não tardará a perceber que o resultado será outro.
4. "Jesus sabia desde o início quem eram eles".
Aqui está um detalhe importante do evangelho: porque Jesus os conhecia bem é que os escolhia como seus discípulos ou não. Talvez, isto nos queira dizer o quanto precisamos ser mais criteriosos e mais seletivos nos nossos relacionamentos. Ou seja, devemos sempre procurar enxugar os nossos relacionamentos, nossas companhias e amizades; observar quem nos levanta e quem nos derruba, quem nos alegra e quem nos deprime, quem nos enriquece e quem nos empobrece, etc. Evidentemente, não se trata, aqui, de alimentarmos uma espécie de puritanismo, elitismo ou qualquer tipo de preconceito contra quem quer que seja. Trata-se, no fundo, de sabermos distinguir pessoas de pessoas e de nunca perdermos de vista com quem estamos nos relacionando e quem é que temos diante de nós, o tempo todo. Aliás, quanto a isto, já nos alertava alguém, ao dizer: "Evite misturar-se com seus dissemelhantes". Tais palavras me fazem lambrar Jesus quando dizia para não jogarmos pérolas aos porcos. São coisas que nos fazem pensar.
5. "Vós também não quereis ir embora? Pedro responde: A quem iremos Senhor"?
Pedro reconhece que não há, fora de nós mesmos, outra opção, outros caminhos ou alternativas para quem busca ser feliz, para quem procura a Deus. Ou seja, a vida espiritual, que se dá na busca e no encontro de cada um consigo próprio, não é uma tarefa facultativa, opcional. É, antes, uma realidade imperativa, um caminho compulsório. Conclusão: Ou nos encontramos e nos tornamos felizes, de uma vez por todas; ou, ao contrário, nos perdemos e incorremos no risco de uma eterna infelicidade. As cartas estão lançadas. Avancemos e não tenhamos medo. Deus está conosco.