XXVI DOMINGO COMUM (Mc 9, 38-43.45.47-48).
1. "João disse a Jesus: 'Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos porque ele não nos segue. Disse Jesus: 'Não lhe proibam, pois, ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é por nós".
Este episódio dos evangelhos é, acima de tudo, paradigmático. Isto é, revela-nos um modelo a partir do qual devemos pensar e agir, hoje e sempre. Enfatiza a idéia fundamental de que nenhum de nós, individual ou coletivamente, é dono da verdade. Deus não é propriedade privada de ninguém, de nenhum grupo, de nenhuma religião. Ele não assinou qualquer contrato de exclusividade com nenhuma igreja, menos ainda, com alguma pessoa em particular. Ora, o que é bom é bom, embora seja um outro que o faça. Quem quer que seja que atue, verdadeiramente, em favor do ser humano, vem de Deus e a ele pertence. Portanto, devemos combater radicalmente a inveja que não nos deixa reconhecer as boas obras dos outros. Aprendamos a alegrar-nos com o bem que praticam e sejamos estimuladores de todas as formas de bondade e retidão que se manifestam nos demais, ainda que não pertençam à nossa religião, ao nosso grupo ou comunidade. No mais, sabemos que verdades como Deus, amor, bondade, etc., não são apenas idéias, conceitos ou teorias abstratas. São, antes, uma prática concreta, uma realidade palpável e devidamente encarnada. Lembro-me, aqui, da estória de um louco que pulava pelos corredores do hospício como se quisesse, em cada salto dado, agarrar algo com suas mãos. Passou um médico e perguntou-lhe o que estava fazendo. Ao que o louco respondeu: "Estou tentando pegar inhaca. O médico insiste: "E o que inhaca?". E o louco responde: "Sei lá, doutor; eu não peguei nenhum ainda". Moral da estória: Só se sabe o que é inhaca, quando se pega uma. Ou seja, só se sabe o que é o bem, quando se faz o bem; só se conhece o amor, quando se ama. E bondade e amor, assim como todas as virtudes fundamentais da vida, são fruto do Espírito Santo que, por sua vez, faz-se presente em todas as pessoas e sopra onde quer.
Por outro lado, sob o ponto de vista estritamente religioso, no mundo de hoje, ninguém pode ou deve excluir nenhuma experiência religiosa da sua própria experiência. Esta visão faz com que passemos a elaborar a nossa experiência religiosa pessoal a partir, também, das experiências complementares de outras tradições, num profundo respeito e legítima interação com os outros. Neste sentido, nenhuma experiência religiosa pode ser monopolizada por uma determinada religião ou igreja, pois, todas elas são experiências universais, pertencem à humanidade. Por exemplo: o fenômeno 'Cristo' pertence ao cristianismo, mas não é monopólio dos cristãos; o fenômeno 'buda' é específico do budismo, mas não é monopólio dos budistas. Há elementos cristãos no budismo e há elementos budistas no cristianismo. Todavia, isto não significa dizer que as pessoas devam deixar de ser católicas ou budistas, de pertencer a esta ou aquela religião. Nesta nova visão, o importante não é mudar de religião, e sim, mudar de paradigma religioso. E neste novo paradigma, busca-se colocar o ser humano numa atitude de percepção e acolhimento de todas as formas de religiosidade, uma vez que, todas as grandes igrejas e religiões da terra, à medida que perseguem a verdade, são profundamente complementares. Todas as formas de prática religiosa se tornam, de uma certa maneira, interdependentes, pelo fato de representarem, em última análise, os esforços de toda a humanidade em aproximar-se da vibração divina, do mistério de Deus. Afinal, não existe apenas um jeito único de amar.
2. "Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a; porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para o inferno, onde o fogo nunca se apaga".
Antes de mais nada, deve-se dizer que este texto, naturalmente, não pode e não deve ser tomado ao pé da letra, por nenhum de nós, em nenhuma circunstãncia. Entretanto, nem por isso, ficamos livres das suas graves e urgentes implicações, em se tratando das exigências inadiáveis e contundentes que ele nos faz. Sendo assim, num primeiro momento, as palavras de Jesus indicam-nos o cuidado que devemos ter em afastar de nós toda e qualquer ocasião de pecado, evitando, por este meio, suas nefastas consequências. Trata-se da necessidade que temos de construir, dia-a-dia, um comportamento preventivo acerca dos males que podemos causar a nós e aos outros. Afinal, é sempre melhor prevenir do que remediar.
Num segundo momento, se verificarmos que, apesar de todos os nossos esforços e cuidados, ainda assim agimos mal em uma ou outra ocasião, devemos procurar corrigir o nosso erro o quanto antes possível, cortando o mal pela raíz e impossibilitando, desta forma, o seu desenvolvimento. Aliás, sob certos aspectos, parar de fazer o mal, já é um bem. Lembro-me, aqui, do que dizia o Pe. Cícero a muitos que o procuravam para confessar os seus roubos e crimes: "Quem matou, não mate mais. Quem roubou não roube mais". Nesta perspectiva, podemos dizer que, parar o mal que iniciamos, é uma maneira de 'arrancar' de nós uma mão, um pé ou um olho; é ser capaz de recuperar o verdadeiro sentido da nossa vida, do nosso corpo e de cada um de seus membros, em particular. Afinal de contas, é fundamental que saibamos usar o nosso corpo como um instrumento de Deus para o bem do mundo, canal que conduz a vida divina onde quer que esteja. Somente assim, faremos justiça ao que ele sempre foi: templo vivo do Espírito Santo.
Num terceiro momento, estes versículos nos fazem um alerta radical, a fim de que percebamos, de uma vez por todas, que os bens da alma são superiores a todos os bens materiais e corporais, mesmo os mais apreciados. Trata-se de não nos deixar levar pela tentação fácil de trocar o definitivo-eterno pelo provisório-temporal, vivendo uma inversão de valores que, em nada, nos ajudará em termos de felicidade e, muito pelo contrário, nos levará a uma irremediável perda do sentido da vida. Pois, como dizia o próprio Cristo: "De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perdeu a sua vida"? Nesta mesma linha, um conhecido místico da atualidade, nos chama a atenção em um dos seus escritos, afirmando que é mais sensato e urgente, da nossa parte, perguntar sobre a nossa eternidade do que, simplesmente, perguntar sobre o nosso futuro. E continuava: "O ser humano feliz, talvez, seja aquele capaz de privar-se, agora, de um bem provisório, ainda que muito apreciável, em vista de um bem maior e definitivo, num tempo posterior. Por outro lado, o ser humano infeliz, talvez, seja aquele que resume a sua vida nos prazeres de cada dia, privando-se daquele que é o prazer por excelência, único capaz de saciar o nosso desejo". É, mais ou menos, como alguém que vai a um restaurante caro e de bom cardápio, 'empanturra-se' literalmente com as entradas: pão, broa, queijo, presunto, azeitonas, etc., e, com isto, fica totalmente impossibilitado de saborear as delícias do prato principal, para não falar da maravilhosa sobremesa. Oxalá que isto não nos aconteça!