sexta-feira, 24 de julho de 2009

XVII DOMINGO COMUM (Jo 6, 1-15)
(A multiplicação dos pães e dos peixes)


O texto nos ajuda a entender o que devemos fazer diante da realidade da fome, pobreza e carências diversas que se fazem presentes no mundo em que vivemos. Ou seja, qual deve ser a melhor atitude frente aos milhões de necessitados e de necessidades humanas? O Evangelho nos apresenta, por assim dizer, um caminho iniciático extremamente prático e objetivo, composto de várias etapas:
1. Jamais devemos deixar de acreditar que, se existe um problema, é porque existe uma solução. Podemos desconhecer tal solução ou ela pode ser bastante difícil e complicada; porém, isto não nos dá o direito de negá-la ou tomá-la como inexistente. Todos conhecemos o ditado popular que diz que "Deus dá o frio conforme o cobertor". Assim sendo, os nossos problemas, longe de serem obstáculos intransponíveis, como muitas vezes os enxergamos, constituem um desafio à nossa inteligência, à nossa capacidade, aos nossos potenciais externos e internos, à nossa sensibilidade e inventividade. Isto significa dizer que os problemas nos mobilizam e nos capacitam a que lhes ofereçamos respostas e alternativas pontuais que, na ausência deles, não teríamos necessidade alguma de buscar. Daí que, as dificuldades da vida podem ser vistas como um presente de Deus, uma bênção, uma graça e uma oportunidade para o engrandecimento da nossa jornada pela vida. Deste modo, podemos dizer que viver é tornar-se capaz de encontrar soluções para os problemas da vida e, mais ainda, viver bem, com qualidade, é tornar-se capaz de oferecer as melhores soluções para os piores problemas.
2. Busquemos sempre superar a ilusão da separatividade, aquela idéia de que os outros são os outros e nós somos nós e de que não temos nada a ver com os problemas alheios. Os discípulos de Jesus, num primeiro momento, foram tentados a pensar assim: dispensar as multidões e pedir para que cada um se virasse sozinho na busca de comida. Ora, esta não é a realidade. Ao contrário, estamos sempre implicados uns nos outros. E o evangelho é claro: "dai-lhes vós mesmos de comer". Ou seja, somos responsáveis uns pelos outros; o problema de um de nós é o problema de todos nós. Portanto, não existem dois lados, o lado dos outros e o nosso. Todos os lados são o mesmo lado, são o nosso lado. Estamos, pois, no mesmo barco e se ele afundar, arrasta-nos a todos, indistintamente. Lembrem-se da história do naufrágio do Titanic: havia passageiros de primeira, segunda e terceira classes. Entretanto, quando afundou, todos apresentaram-se igualmente vulneráveis. Assim sendo, só nos resta cuidar uns dos outros, a fim de que todos possamos estar bem. Se cuidarmos apenas de nós mesmos, mais cedo ou mais tarde, sofreremos os respingos das situações indesejáveis em que vivem os demais, a quem viramos as costas.
3. Procuremos superar a tentação das soluções teóricas, dos discursos abstratos e dos debates de idéias, apenas. Muitas vezes, conversamos muito sobre os problemas porque não os queremos resolver. É como se as nossas conversas em torno das dificuldades reais, servissem para substituir atitudes concretas que nós, efetivamente, não estamos tomando. Só palavras e nada mais. E é isto que, em geral, tem acontecido nos meios políticos, educacionais e, até mesmo, nas nossas comunidades de Igreja: reuniões e mais reuniões. Se não tivermos o devido cuidado, as nossas conversas, debates e reuniões sobre os problemas das pessoas e do mundo, se tornam um fim em si mesmas, e não, um meio para que se encontrem as saídas. Aliás, um amigo padre certa vez perguntava a outros colegas: "para que serve uma reunião"? E ele próprio respondia: "para marcar a outra". Ora, Jesus, ao contrário, no evangelho de hoje, age no nível do problema. Ele oferece pão para quem precisa de pão e não manda, simplesmente, que rezem pelos famintos e necessitados. Assim, também, devemos sair do universo das teorias e iniciar alguma coisa concreta.
4. Aprendamos a agir inteligentemente. Ou seja, não basta fazer por fazer, ou fazer de qualquer maneira. É fundamental fazer da melhor maneira, planejando e organizando a nossa ação, a fim de que seja a mais inteligente possível e a que melhor alcance os resultados almejados. Foi por isso que Jesus mandou que todos se sentassem na grama; depois, fez a benção dos pães e dos peixes, distribuiu-os com os discípulos e, estes, depois, com a multidão. Isto significa dizer que precisamos sempre qualificar melhor o que fazemos, superando a tentação de ir fazendo de qualquer jeito e, ao mesmo tempo, imprimindo atenção, preparação, reflexão, disciplina, avaliação e tudo o mais que for necessário para a obtenção dos melhores resultados.
5. Realizemos o que está ao nosso alcance. Ou seja, não somos obrigados a dar comida a todos os famintos da face da terra, mas podemos e devemos fazer aquilo que está no nosso poder e que é compatível com as nossas reais condições. Alguém de nós pode muito bem dizer que não faz mais pelos outros porque também precisa de ajuda, também é pobre. Mas, um dia, quando melhorar de situação, aí sim, poderá dar a sua contribuição. Ora, se um de nós espera ajudar os outros somente quando tiver numa melhor situação, correrá o risco de nunca ajudar ninguém, pois sempre vai achar que ainda não pode, mesmo que melhore de situação. Lembremo-nos, à luz do evangelho, de que não temos todos os recursos que gostaríamos de ter em mãos; porém, temos cinco pães e dois peixes e é com eles que somos chamados a contribuir para saciar a fome do mundo. Em outras palavras, há duas coisas igualmente importantes que um ser humano precisa saber na vida: o que ele pode e o que ele não pode. Muitos, só pensam no que podem e, por vezes, acham que podem tudo. Por isso, frustram-se, mais cedo ou mais tarde. Outros, só pensam no que não podem e, por vezes, acham que nada podem. Estes, têm uma vida miserável, do princípio ao fim. A sabedoria se revela quando buscamos o justo equilíbrio entre o poder e o não poder, reconhecendo que nunca podemos todas as coisas, mas sempre podemos algumas coisas e que, nestas, somos chamados a investir o melhor de nós mesmos, para o nosso bem e o bem de toda a humanidade.
6. Precisamos investir numa prática de austeridade, evitando todo o acúmulo, os desperdícios, os excessos e o esbanjamento desavergonhado. Jesus pediu que recolhessem as sobras, para que nada se perdesse. E assim o fizeram e encheram doze cestos, diz o evangelho. Ora, sabemos que os bens da terra são finitos e são os mesmos para todas os seus habitantes. Assim sendo, o que sobra para uns pode ser exatamente o que está faltando para outros tantos. Portanto, não são suficientes para sustentar a riqueza de todos, mas são mais do que suficientes, se bem distribuídos, para oferecer uma vida digna a todos e a cada um. Certamente, o desejo de Jesus para a sociedade como um todo, não é que os ricos distribuam suas riquezas aos pobres e, estes, por sua vez, fiquem ricos. Ora, isto apenas inverteria as posições e não seria solução para nada. Com mais propriedade, vejo que toda a Sagrada Escritura nos leva a acreditar que o sonho de Deus é o de uma sociedade que aprenda a equilibrar-se entre os extremos da carência e do esbanjamento. Nesta busca, talvez, sejamos forçados a comprenender que a felicidade das pessoas nunca virá como fruto de uma mera distribuição da riqueza do mundo entre todos, e sim, pela igual distribuição da pobreza e da austeridade, de uma vida mais simples, da diminuição dos nossos desejos, ambições e vaidades e de uma forma mais responsável e menos inconsequente no uso dos bens que passam pelas nossas mãos.
Tomara Deus que este itinerário percorrido por Jesus, no evangelho em pauta, diante da fome das multidões do seu tempo, seja uma luz a iluminar nossa jornada nos dias atuais, diante das inúmeras carências de irmãos e irmãs.