quinta-feira, 20 de maio de 2010

DOMINGO DE PENTECOSTES
(Jo 20,19-23)

1. A primeira cena do evangelho de hoje, diz respeito ao sentimento de medo que toma conta dos discípulos ("...estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam..."). Ora, o medo é, sem dúvida, a condição em que tem vivido a humanidade inteira e cada pessoa em particular. Podemos até dizer que nossa vida, via de regra, tem sido uma espécie de ilha cercada de medo por todos os lados; medo da doença, da solidão, da pobreza, da velhice, do desamparo, dos assaltos, de bichos, de fantasmas, da morte... medo de tudo. Assim sendo, o medo, do ponto de vista do evangelho, apresenta-se como o primeiro grande obstáculo para a chegada do Espírito Santo em nós. É, por assim dizer, o contrário mesmo da própria fé, como indagava Jesus aos discípulos: "homens de pouca fé, por quê têm medo"?
Neste sentido, o primeiro passo a ser dado em busca da superação deste obstáculo concreto, talvez, seja o reconhecimento e aceitação dos nossos medos como coisa nossa, como algo que nos pertence e, como tal, não pode ser, jamais, ignorado ou negligenciado por nenhum de nós; ou seja, não devemos viver como se os nossos medos não existissem. Afinal, na maioria das vezes, aquilo que mais tememos é aquilo de que mais temos necessidade.
Num segundo momento, uma vez conhecidos os nossos medos pessoais, precisamos saber se são reais ou fictícios; se têm fundamento ou se constituem, apenas, frutos da nossa imaginação. Trata-se aqui, de fazermos uma triagem, um discernimento crítico e criterioso, um "enxugamento" dos nossos medos, reduzindo-os ao máximo. Isto, tendo em vista o fato da nossa mente gostar muito de alimentar temores imaginários e, ainda, o quanto nossa imaginação exerce uma forte influência sobre nossa vida e a forma como agimos.
Em terceiro lugar, devemos enfrentar nossos medos, não deixar que nos paralizem. Isto significa dizer que não podemos deixar de fazer o que temos de fazer na vida, por causa dos nossos medos. Esta é uma maneira de falar que precisamos ter coragem. Entretanto, ter coragem não é não ter medo, e sim, fazer o que tem de ser feito, apesar do medo. Portanto, a coragem não é, em nenhum momento, a negação do medo; é, antes, a consciência da sua presença real, acompanhada da capacidade de ultrapassá-lo. Trata-se da necessidade de sermos, cada vez mais, senhores e senhoras de todas as nossas ocorrências, inclusive dos nossos medos. Aliás, se formos fazer uma análise mais profunda, perguntando-nos sobre o que tememos de verdade ou sobre o que, de fato, podemos perder, logo concluiremos que não há nenhuma razão maior que justifique o nosso medo. Afinal, o que podemos perder na vida de tão importante, senão, apenas, ilusões e nada mais?
Um quarto e último passo que podemos dar em busca de superação dos nossos medos é, sem dúvida, procurar, de uma vez por todas, o caminho do auto-conhecimento. Sabemos hoje que, em geral, nossos medos nos revelam um profundo desconhecimento sobre nós mesmos. Sendo assim, conhecer-nos mais e melhor constitui-se o remédio mais eficaz contra todo tipo de medo que nos possa incomodar. Jesus Cristo já nos dizia para não temermos os que matam o corpo, mas nada podem fazer contra a alma. Ou seja, ninguém jamais poderá fazer nada de mal contra nós, ainda que nos mate, pois a vida pertence a Deus e somente a Ele. O mesmo Jesus nos falava: "quanto a vós, até os cabelos de vossa cabeça estão contados". Ora, será que pode existir algo mais insignificante do que um fio de cabelo da nossa cabeça? Entretanto, até disso, Deus cuida. Portanto, se nos conhecemos bem, na condição de filhos muito amados de Deus, destinatários de todos os cuidados divinos, certamente substituiremos o temor pela confiança. Doravante, confiemos e não temamos.
2. O evangelho, em seguida, nos mostra que o segundo grande obstáculo à chegada do Espírito Santo em nós, é a ausência de paz, a agitação, a correria, o estresse... ("Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: a paz esteja convosco"). E, logo à frente, o evangelho continua: "novamente Jesus disse: 'a paz esteja convosco'. Assim como o Pai me enviou, eu também os envio".
Curiosamente, Jesus deseja, por duas vezes seguidas, a paz aos seus discípulos e, somente depois, é que os envia à missão. Assim sendo, podemos facilmente concluir que, se não estivermos em paz, não poderemos ser enviados, não teremos condições de cumprir a nossa missão, de realizar nossa tarefa no mundo. Entretanto, a paz oferecida por Cristo, não é uma pura e simples ausência de conflitos; é, antes, uma meneira toda especial de lidar com eles. Nisto, vemos que a paz de Cristo é bem diferente da paz do mundo, conforme Ele mesmo nos assegurou, quando disse: "deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo". E uma das provas disto, é que os díscípulos nunca mais tiveram sossego na vida, depois de terem recebido aquele anúncio de paz. Logo, a paz de Cristo, a verdadeira paz, não é algo que se percebe, necessariamente, fora de nós, e sim, uma qualidade interior, uma conquista da alma.
Nessa perspectiva, de nada adiantarão os nossos esforços em busca de paz, se não tivermos um coração apaziguado, se não tivermos uma certa ordem em nosso mundo interior. Sabemos que há muita agitação, muitos conflitos dentro de nós; são pensamentos, sentimentos, desejos, instintos, paixões, etc., geralmente, distintos e contraditórios, que se chocam entre si e insistem em nos levar de um lado para o outro da vida, fazendo-nos perder de nós mesmos. Aí é que se dão as maiores guerras, maiores e mais arrebatadoras do que as do Irã contra o Iraque, ou da Palestina contra Israel. Aliás, todos estes conflitos externos que vemos espalhados mundo afora, as guerras que tanto repudiamos, não são outra coisa, senão, a extensão das perturbações que vivenciamos por dentro, no nosso universo interior. É lá que tudo se inicia. Logo, se páram dentro, páram fora, mais cedo ou mais tarde.
3. O terceiro obstáculo à chegada do Espírito Santo em nós, ainda segundo o evangelho de hoje, é a nossa ignorância sobre pecado e perdão ("Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos").
Com isto, Jesus nos lembra que, quando paramos nos pecados, eles também nos paralizam. Porém, quando perdoamos, nos permitimos avançar e conseguimos viver, apesar deles. Em outras palavras, só podemos receber o Espírito Santo em nós, se formos capazes de reconhecer e aceitar a nossa condição própria de pecadores; ou seja, de não alimentar ilusões quanto à nós mesmos. Trata-se de começar a viver pelo que somos, por inteiro, sem reservas, sem falsas vergonhas, sem lamentos e sem pesares. Como já dizia alguém: "a minha sabedoria está em aceitar não ser o santo que eu gostaria de ter sido, aceitar o fracasso que fui ou que sou".
Nesse sentido, podemos dizer que pecar ou não pecar, não é o mais importante. Afinal, todos pecamos. O fundamental é nunca deixar de saber que tudo tem um propósito, que nada existe ou acontece em vão, inclusive os nossos pecados. Por mais incrível que pareça, o mundo precisa de cada um de nós, como cada um é. O universo necessita dessa variedade de comportamentos, dessas atitudes opostas, desses muitos conflitos éticos, dessas opiniões e vivências distintas. Se o mundo nos quisesse outros, nos teria feito outros. Mas, não. Fez-nos assim, do jeito que somos. E não pensem que isto é conformismo ou acomodação; muito pelo contrário: é caminho de evolução.
Desse modo, podemos afirmar que nossos pecados não constituem e, nunca constituíram, nenhum impedimento ou obstáculo à presença e atuação do Espírito Santo em nossas vidas. Antes, reconhecê-los e aceitá-los, é ser capaz de oferecer ao Espírito Santo um material humano verdadeiro, sem falsificação, uma matéria prima de primeira qualidade, na qual Ele (O Espírito) poderá soprar sem qualquer reserva. Pois, na verdade, Deus trabalha conosco, sempre a partir do que somos e somente assim; levando em conta os nossos limites, respeitando-os e possibilitando-nos ultrapassá-los, permanentemente, se assim o desejarmos. Oxalá que o desejemos.