terça-feira, 17 de março de 2009

PISTAS PARA HOMILIA - Jo 3,14-21

IV DOMINGO DA QUARESMA
O evangelho de João 3,14-21 convida-nos a reflerir sobre alguns temas essenciais.

1º) Amor ("Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigênito") - Temos aqui, quem sabe, a verdadeira definição de amor, que contrasta com as nossas em geral. Geralmente, amamos retendo e segurando sob nosso domínio as pessoas que dizemos amar. Deus ama liberando, enviando, permitindo, soltando as pessoas. O verdadeiro amor é aquele que liberta; só se constrói na liberdade. Na verdade, isso é muito lógico, pois nunca saberei se alguém me ama de facto, se o mantenho o tempo inteiro sob o meu controlo, sob minhas rédeas. Muitas vezes, controladas por nós, as pessoas serão apenas o que esperamos delas. Entretanto, em liberdade, e somente assim, poderão ser elas mesmas. Outro dia ouvi alguém dizer que "amor não são pessoas que se olham entre si, e sim, pessoas que olham numa mesma direção. Devemos, então, não somente permitir que as pessoas sejam livres, como também, estimulá-las (enviá-las) à liberdade. Aliás, tenho pra mim que, no momento da morte, temos imensa dificuldade em soltar as pessoas, talvez porque, exactamente, não o fizemos em vida.

2º) Eternidade ("Deus enviou seu Filho para que todo aquele que acredita n´Ele não pereça, mas tenha a vida eterna") - Temos aqui uma outra definição de vida eterna que, também, se contrapõe às nossas concepções e expectativas mais comuns. A vida eterna não é, simplesmente, uma experiência para o além, para um futuro distante, ou algo que nos espera depois da morte. Tampouco se trata de uma vida que seja negação da nossa vida terrena ou das coisas que aqui experimentamos. Ao contrário, a eternidade é um modo de se viver a provisoriedade; ou seja, é uma provisoriedade bem vivida. Em outras palavras, podemos dizer que o céu se constrói na terra, o amanhã no hoje, o depois no agora. Um grande líder espiritual do Oriente já dizia: "Se queres saber sobre o teu futuro, olha para o teu presente". Isso significa que, nada do que fazemos hoje está fora da nossa eternidade. O que pensamos, sentimos, dizemos, realizamos, etc, na nossa vida diária, é o que estamos a eternizar. Logo, devemos ter bastante cuidado e atenção sobre o nosso modo de viver a vida. Nada deixa de existir nunca. Tudo que criamos, de bom ou de ruím, tende a permanecer para sempre. No máximo, pode sofrer alguma transformação, mas, não se extinguir. Um dia, mais cedo ou mais tarde, teremos de nos confrontar com o que fizemos de nós, com a nossa verdade (ou mentira).

Vocês conhecem aquela estória do louco que escrevia uma carta no seu quarto, quando o médico de plantão por ali passou e perguntou-lhe: "Para quem é esta carta?" Resposta: "Para mim mesmo". O médico insiste: "E o que é que está escrito aí?" O louco responde: "Sei lá, eu não recebi ainda". Assim é a eternidade. É como receber uma carta que já escrevemos para nós mesmos, num passado recente ou remoto (ou os dois) da nossa existência.

3º) O binômio salvação-condenação ("Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele") - Isso vem acabar, de uma vez por todas, com uma imagem equivocada de Deus que, em geral, trazemos connosco: a de um juíz implacável que julga e condena. Ora, Deus não existe para condenar. Condenação ou salvação é, também, uma construção da liberdade humana. Por mais limitados que sejamos, somos livres para escolher nosso caminho, para um lado ou para o outro, para frente ou para trás, ou para lado nenhum. Entretanto, para o bem ou para o mal, sempre teremos de assumir as consequências das nossas escolhas.

Nesse sentido, alguém poderá objetar: "Mas, eu não escolhi meus pais, meus padrinhos, minha família, meu corpo, minha origem, minha cor, etc. Isso é verdade. Porém, posso escolher a maneira de me relacionar com tudo isso que tenho e que sou, a maneira de fazer deles o melhor ou o pior para mim. Assim, o grande desafio da vida é passarmos de uma existência perdida para uma existência escolhida, onde acolhemos tudo o que nos acontece e escolhemos a melhor maneira de interpretá-lo. E não nos esqueçamos de que uma mesma pedra pode ser pedra de tropeço ou pedra de edificação.

4º) Fé ( "Quem acredita n´Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado") - Entra aqui a importância da Fé, como elemento imperativo na definição de um verdadeiro ser humano. Neste particular, as ciências mais recentes se fazem coincidir com a espiritualidade. Sabe-se hoje, até por simples observação, que o ser humano não é o que pensa ou sente ou mesmo faz. Ele é o que acredita. Pensamentos, sentimentos e ecções estão sempre subordinadas ao que acreditamos e mudam se mudamos a nossa crença. Sendo assim, somos o que acreditamos. Evidentemente, não estamos aqui a falar de uma fé sobrenatural, e sim, de uma fé natural, humana. Entretanto, é por meio de uma que alcançaremos a outra. Afinal, não basta acreditar em Deus (os demônios também acreditam); é preciso que acreditemos em nós mesmos. Da mesma forma que não se pode subir uma escada pelos degraus de cima. A psicologia oriental nos diz que, tanto estamos certos quando acreditamos que podemos, como estamos certos quando acreditamos que não podemos. O objeto da nossa fé, seja ele positivo ou negativo, tende sempre a produzir resultado. Todavia, logo se vê que esse é um tema pra muita conversa.

5º) Verdade ("Quem pratica a verdade aproxima-se da luz") - O que é a verdade? Jesus diz: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". E quando Pilatos pergunta-lhe o que é a verdade, Jesus oferece-lhe o seu silêncio como resposta. Esta palavra e atitude de Jesus, respectivamente, nos fazem entender, de cara, que a verdade não é, simplesmente, uma palavra, uma idéia, um argumento satisfatório ou um discurso verdadeiro e convincente, algo que se possa dizer e já estar. A verdade é, antes de tudo, Jesus, ou seja, um ser humano verdadeiro, uma existência plena, uma vida real.

Note-se que Jesus nunca disse: "Eu tenho a verdade". E sim: "Eu sou a verdade". Como se nos quisesse dizer: "Eu sou verdadeiro, sou o que sou". Talvez, por isso mesmo, ele respeitasse profundamente a verdade dos outros, aquilo que cada pessoa trazia consigo.

Aliás, entre duas pessoas que se acham donas da verdade, jamais poderá haver qualquer entendimento. Porém, entre duas pessoas verdadeiras, ainda que pensem diferentemente, a comunhão sempre será possível. Desse modo, podemos dizer que não existe e não poderá existir ninguém que seja dono da verdade, nem pessoas totalmente verdadeiras e outras totalmente falsas. Todos nós encarnamos aspectos distintos e expressamos distintamente, a única e mesma verdade, que é Deus.