quarta-feira, 1 de abril de 2009

DOMINGO DE RAMOS (Mc 15,1-39)
1. "Logo de manhã, os príncipes dos sacerdotes reuniram-se em conselho com os anciãos e os escribas e todo o Sinédrio e foram entregar Jesus a Pilatos"). Vê-se aqui, claramente, que a morte de Jesus é fruto de uma armação das autoridades políticas e religiosas do seu tempo. Ou seja, não é uma obra do acaso e, tampouco, um desejo proposital de Jesus, ainda que tudo o que lhe aconteceu tenha sido permitido por Deus. Jesus nunca buscou o sofrimento e a morte e, sempre que pôde, escapou deles. O que Jesus desejava, como todo ser humano, era o seu bem-estar e a sua felicidade. Em nenhum momento da sua história, apresentou-se como alguém que sentisse qualquer prazer em sofrer. Entretanto, quando o sofrimento bateu irremediavelmente à sua porta, Ele o aceitou e o enfrentou com a máxima dignidade e a plena consciência do seu significado redentor, tanto para si quanto para toda a humanidade.
Assim sendo, o sofrimento de Jesus não pode e não deve ser usado, por nenhum de nós, com o propósito de confirmar nossas tendências masoquistas, ou para esconder nossa incapacidade de buscar a felicidade e o bem-estar ou, menos ainda, para encobrir o nosso medo ou covardia frente aos desafios da vida. Nunca nos esqueçamos de que, antes do Cristo dizer: "Pai, seja feita a tua vontade", Ele disse: "Pai, se possível, afasta de mim este cálice". Tais palavras são, para nós, sinais indicativos de que devemos sempre lutar contra a dor e o sofrimento e, somente, quando estes nos forem inevitáveis, devemos acolhê-los com resignação e, depois, procurar transmutá-los, lançando sobre eles um olhar positivo.
2. Na narrativa da Paixão de Jesus, encontramos, naturalmente, algumas figuras bíblicas que nos ajudam a alcançar uma melhor compreensão sobre nós mesmos. Afinal, todas as personagens das sagradas escrituras são figuras arquetípicas, representativas do conjunto da humanidade e de cada um de nós em particular. Vejamos algumas delas:
PILATOS - ("Então Pilatos, querendo contentar a multidão, entregou Jesus para ser crucificado"). Vemos que a decisão de Pilatos a respeito de Jesus foi motivada, sobretudo, pelo desejo de agradar à multidão. Seu maior erro foi não dar ouvidos à sua voz interior, à voz da sua consciência, deixando-se levar pelo grito das pessoas que pediam a crucifixão de Jesus. Isso significa que, quando escolhemos viver só para atender às espectativas alheias ou para agradar as pessoas, ignorando a nós mesmos e as nossas verdades internas, erramos brutalmente. Afinal, o que é o pecado, senão a infidelidade de cada um a si próprio? Trata-se aqui, portanto, da necessidade imperiosa de superarmos o nível fácil e tentador dos aplausos e das vaias, da aprovação ou desaprovação dos outros, e passarmos a viver a partir das nossas motivações interiores, da nossa consciência e dos valores nos quais acreditamos verdadeiramente.
Por outro lado, a mensagem do evangelho torna-se clara, quando nos faz entender que a razão nem sempre está com o povo, com as maiorias, com as multidões. Ou seja, a voz de Deus não coincide, obrigatoriamente, com a voz do povo, conforme o dizer popular. Por vezes, dá-se o contrário: a razão pode ser encontrada numa motivação individual sincera, numa consciência reta, num coração inocente ou numa intuição solitária. Assim, quando alguém nos disser: "A rua está cheia disso" ou "o povo só fala naquilo", tenhamos mais cuidado, desconfiemos inicialmente e procuremos conhecer melhor tais coisas de que nos falam, antes de tomá-las como verdadeiras. Afinal de contas, sabemos que os grandes vultos da história da humanidade e as pessoas de maior influência no mundo, foram, quase sempre, presenças solitárias; homens e mulheres que nadaram contra as fortes e, por vezes, inquebrantáveis correntes do senso comum das suas respectivas épocas. Então, resta-nos ser sinceros e não temer caminhar sozinhos, pois, como afirmava uma voz lúcida que um dia escutei: "Um justo, um só justo, em meio aos seus muitos vizinhos, já é maioria de um".
BARRABÁS - ("Pilatos, querendo contentar a multidão, soltou-lhes Barrabás e, depois de ter mandado açoitar Jesus, entregou-o para ser crucificado"). Barrabás torna-se, na perspectiva do evangelho, o esteriótipo do bandido, do criminoso, do homem culpado, condenado a pagar pelos seus erros e que foi libertado injustamente. Quanto a Jesus, este é, por excelência, a personificação do homem inocente que foi condenado injustamente. Ambos, são postos diante da multidão - de ontem e de hoje - e, também, diante de cada um de nós, para que façamos a nossa escolha. Ambas as realidades, a do bandido e a do inocente, carregamos conosco, bem dentro de nós, e clamam, igualmente, por liberdade. Por quem optaremos? Qual deles iremos libertar: Barrabás ou Jesus? Nosso lado criminoso ou nosso lado inocente?
Lembrei-me, agora, daquela conversa que, segundo me contaram, uma anciã indígena tivera com um dos seus netos: Dizia ela: "Dentro de mim há dois lobos que se enfrentam numa luta constante. Um deles, feroz e violento; o outro, manso e dócil". O neto, então, pergunta-lhe: "Vó, e qual dos dois vence essa luta"? Ao que a mulher responde, prontamente: "Vence o que eu alimentar mais". Conclusão: Somos aquilo que mais elimentamos em nós. Se alimentarmos a violência, seremos violentos; se alimentarmos a docilidade, seremos dóceis. Trata-se, aqui, de fazermos valer, a cada instante da nossa vida, através das nossas atitudes concretas, a força da graça original ou a força do pecado original, a face do Jesus ou do Barrabás que temos e que somos. Afinal, a mesma mão que bate é a que pode afagar. A escolha é nossa.
SIMÃO DE CIRENE - ("Requisitaram, para lhe levar a cruz, um homem que passava, vindo do campo"). Os evangelhos nos dizem que Simão de Cirene foi um homem tomado à força e obrigado, pelos soldados, a ajudar Jesus a carregar a cruz. Entretanto, tal ajuda fez-se sentir, apenas, por um brevíssimo espaço de tempo, após o qual, a cruz é devolvida aos ombros de Jesus. Com isso, a figura do Cirineu é aquela que, na perspectiva da mensagem evangélica, nos devolve a nós mesmos, à nossa missão, à nossa tarefa, à nossa dor, ao nosso sofrimento, à nossa cruz, afinal. Cada qual tem um sofrimento a sofrer, uma cruz a carregar; e ninguém, absolutamente, o poderá fazer por ninguém. São realidades únicas e intransferíveis. Trata-se, aqui, da necessidade de nos reconhecermos como seres solitários; de sabermos, de uma vez por todas, que as experiências mais dolorosas e sofridas da vida, viveremos sozinhos. Poderemos, eventualmente, até contar com a presença de pessoas muito queridas ao nosso lado, segurando-nos as mãos, ajudando-nos numa coisa e outra e aliviando-nos um pouco do peso da nossa cruz. Todavia, a dor continuará a ser a nossa dor e a cruz seguirá sendo a nossa cruz.
E, a propósito disto, gostaria de citar uma passagem que Victor Frankl, um médico austríaco que esteve preso por três anos num campo de concentração da 2ª Guerra, escreveu numa das suas famosas obras. Segundo ele, certa vez encontrou um colega de prisão tentanto suicídio. Perguntou-lhe espantado: "Por quê você quer morrer"? O colega respondeu-lhe: "Porque já não espero mais nada dessa vida". E o Frankl, numa tirada divina, disse-lhe: "Mas, saiba que a vida sempre espera algo de você". Essa é uma grande verdade da qual não podemos fugir: A vida sempre espera algo de nós; algo que é somente nosso e que nenhuma outra pessoa possui igual, ainda que seja a nossa dor, nossa enfermidade, nosso sofrimento, nossa cruz. Estamos, então, paradoxalmente, diante de um terrível e maravilhoso desafio, qual seja: Ser dignos do nosso sofrimento, da nossa cruz, do nosso destino, da nossa unicidade. Essa poderá ser a nossa mais valiosa e, quem sabe, indispensável contribuição para com a vida.