sexta-feira, 4 de junho de 2010

X DOMINGO DO TEMPO COMUM
( Lc 7, 11-17 )
"Naquele tempo, dirigia-Se Jesus para uma cidade chamada Naim; iam com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva. Vinha com ela muita gente da cidade. Ao vê-la, o Senhor compadeceu-Se dela e disse-lhe: «Não chores». Jesus aproximou-Se e tocou no caixão; e os que o transportavam pararam. Disse Jesus: «Jovem, Eu te ordeno: levanta-te». O morto sentou-se e começou a falar; e Jesus entregou-o à sua mãe. Todos se encheram de temor e davam glória a Deus, dizendo: «Apareceu no meio de nós um grande profeta; Deus visitou o seu povo». E a fama deste acontecimento espalhou-se por toda a Judeia e pelas regiões vizinhas."
No evangelho deste domingo, Jesus devolve a vida a uma pessoa que traz consigo algumas particularidades: é jovem, filho único e sua mãe é viúva. São detalhes que precisam ser levados em consideração quando buscamos construir a mensagem desse texto para nossas vidas. Afinal, a história de cada um de nós é sempre feita de detalhes, de pormenores, de coisas aparentemente insignificantes que, entretanto, não podem deixar de ser vistas com a melhor das atenções, sob pena de perdermos a própria vida.
1. Primeiro, ao devolver a vida a um jovem (alguém de pouca idade), Jesus parece nos dizer que, apesar de sermos todos igualmente vulneráveis, independentemente da idade que temos, e de podermos morrer a qualquer momento, a vida foi feita para ser plenamente vivida. E, aqui, neste 'plenamente', inclui-se, não apenas a dimensão da qualidade e intensidade com que se deve viver cada momento da vida; mas, também, da necessidade de prolongá-la o mais possível, quantitativamente falando, no tempo e no espaço. Aliás, a quantidade não está e, jamais esteve, necessariamente, do lado oposto da qualidade e vice-versa. Como se uma, para existir, tivesse que dispensar a presença da outra; ou, como se a outra fosse, naturalmente, um obstáculo à primeira. As coisas não são bem assim; não devemos criar oposição onde não há oposição. É bem verdade que sempre devemos fazer as coisas que fazemos com a máxima qualidade com que possam ser feitas. Todavia, é igualmente verdadeiro e desejável que possamos estender essa qualidade à maior quantidade possível de coisas que realizamos e, preferentemente, no maior espaço de tempo que possamos alcançar. Assim sendo, qualidade e quantidade, apresentam-se, para nós, como valores complementares, e não, como realidades opostas. Uma não necessita, obrigatoriamente, da outra. Mas, nós necessitamos de ambas.
É nessa perspectiva que os orientais nos dizem que, se por um lado, o fato mais importante da existência de um ser humano é a sua morte, o coroamento, por assim dizer, de toda uma caminhada; por outro lado, dizem-nos também, que nada de mais lamentável pode acontecer a alguém, do que morrer jovem, ou seja, do que não ter construído ainda, propriamente, uma caminhada para coroar. (Particularmente, já perdi pai e mãe. Sofri muito com a morte deles. Porém, nada comparável à dor que experimentei quando da morte do meu irmão, mais novo do que eu, com apenas quarenta anos de idade, vítima de acidente automobilístico. A sensação não é outra, senão, a de que a vida foi tirada quando ainda queria ficar e, pior do que isso, quando ainda precisava ficar e poderia ter ficado. Bastava, quem sabe, um pouco mais de atenção e cuidado).
Desse modo e, - naturalmente, sem querer tirar da vida e da morte, o mistério que lhes é próprio - ao trazer um jovem de volta à vida, Jesus coloca as coisas nos seus devidos lugares, resgata a lógica natural do viver e do morrer e nos ajuda a compreender, de uma vez por todas, o quanto é importante saber viver plenamente, utilizando-nos ao máximo dos potenciais do tempo e do espaço, como aliados importantíssimos no cumprimento da nossa missão de bem viver. Isto significa que devemos procurar fazer de cada momento da nossa vida, um momento de felicidade. Mas, significa, também, que devemos nos empenhar para que essa felicidade de cada momento, nos possa acompanhar por muitos e longos anos. E, assim, poderemos unir o útil ao agradável, a quantidade à qualidade, o pequeno ao grande, o tempo à eternidade.
2. Em segundo lugar, o fato do destinatário do milagre desse evangelho tratar-se de um filho único, vem confirmar, na pessoa de Jesus, a importância de se preservar a família, como valor fundamental para toda a humanidade. Um valor que ultrapassa, naturalmente, toda e qualquer dimensão que se queira meramente religiosa. Ou seja, a partir do instante que se dá o milagre, aquela mãe, mesmo já tendo perdido seu marido, volta a gozar da presença viva do filho e, precisamente por isto, volta a viver em família. Ora, quando homem e mulher se casam, formam um casal. E, graças a Deus, temos muitos, bons e exemplares casais. Porém, somente quando um casal gera filhos, é que se configura, na prática, a existência de uma família, no sentido verdadeiro do termo. Acontece que, no mundo de hoje, há cada vez menos famílias, ainda que o número de casais esteja sempre em ascendência. Por exemplo, na Europa, a grande maioria dos novos casais, tem optado, deliberadamente, por não ter filhos; e os que fazem diferente, se decidem, quando muito, por um ou dois filhos, ainda que reúnam todas as condições necessárias para o bom sustento de uma família maior. E esta tem sido a tendência mundial, verificada com maior ou menor frequência, em todos os países. O resultado disto já estamos vendo: uma sociedade cada vez mais envelhecida, triste, sem crianças e sem perspectivas de futuro. Em outras palavras, uma humanidade em vias de extinção.
Vale ressaltar que não estamos, aqui, fazendo apologia daquela idéia do sexo no casamento somente com finalidade de procriação ou coisa do gênero. E, nem de longe, somos favoráveis a uma natalidade a qualquer custo, muitas vezes, fruto de uma atitude irresponsável, que põe crianças inocentes no mundo, sem lhes dar as condições, sequer de sobrevivência. A realidade se apresenta muito mais grave. O que estamos vendo hoje é uma quantidade exorbitante de casais cristãos (para não falar dos outros) que se utilizam do sexo e do casamento, única e exclusivamente, para seu próprio prazer, bem estar pessoal e comodidade de vida, enquanto casal; uma atitude extremamente egoísta que, por si mesma, constitui-se em radical negação dos valores essenciais da família; valores estes, os quais prometeram defender diante do altar, no momento em que contraíram o matrimônio. Ora, se é assim que vivenciamos o nosso matrimônio cristão, que argumentos possuímos para criticar aqueles que defendem o casamento entre pessoas do mesmo sexo?
3. Em terceiro lugar, a mãe do jovem a quem Jesus devolve a vida, é uma viúva. Ora, no Antigo Testamento, o órfão, o estrangeiro e a viúva eram, exatamente, as categorias de pessoas citadas, quando se queria falar dos pobres. Os profetas não se cansavam de anunciar que a religião que agradava verdadeiramente a Deus, era fazer justiça ao órfão, à viúva e ao estrangeiro. A viúva é, portanto, nessa perspectiva, juntamente com o órfão e o estrangeiro, a expressão maior da pobreza, do desamparo, da solidão, da carência, da fragilidade... enfim, de tudo aquilo que reclama por mudança e por melhores dias.
Jesus, indo ao encontro desta viúva e socorrendo-a prontamente, confirma sua opção preferencial pelos pobres e sofredores do mundo. Não que eles sejam melhores do que os outros, mas, simplesmente, por serem mais carentes e desprovidos das condições e meios humanos mais elementares para viver com dignidade. Na verdade, toda a Sagrada Escritura, do princípio ao fim, apresenta o Reino de Deus como pertencente a duas classes de pessoas: os pobres e os amigos dos pobres; ou seja, aqueles que, mesmo não sendo pobres, fazem da causa destes, as suas próprias causas e sabem ser solidários a eles. Aliás, só vale a pena ter alguma coisa, se somos capazes de colocar a serviço de quem não tem e, dessa forma, contribuir para melhorar o mundo. Do contrário, a riqueza pela riqueza, apenas satisfaz a nossa vaidade, alimenta nossa ilusão e confirma nossa ignorância sobre a vida. Então, podemos dizer que a opção de Deus é, preferencialmente, pelos pobres e, fundamentalmente, contra a pobreza; pobreza esta, aqui entendida enquanto carência dos recursos minimamente necessários para se ter uma vida digna.
Na verdade, não está no desejo de Deus, um mundo de ricos e pobres; menos ainda, de ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres. Tanto a pobreza extrema quanto a riqueza sem limites, são desumanas e desumanizantes, fazendo vítimas em ambos os lados: a uns, pela falta e, a outros, pelo excesso. É imprescindível que os pobres saiam da sua condição de carência e que os ricos desçam do seu pedestal de auto-suficiência, a fim de que possam viver verdadeiramente como irmãos.
Alguém já dizia: "quando um rico dá ao pobre, não é partilha, é devolução; e quando um pobre dá ao rico, também não é partilha, é servidão. A partilha só acontece entre seres humanos que se sabem irmãos". Portanto, é urgente que recuperemos a nossa consciência de irmãos que somos e procuremos viver como tais. Nesse sentido, todos devemos concordar que há, naturalmente, diante de nós, um longo e difícil caminho a ser percorrido. Que Deus nos ajude!