quarta-feira, 22 de abril de 2009

III DOMINGO DA PÁSCOA (Lc 24,35-48)

1. "Enquanto falavam, Jesus apresentou-se no meio deles".

Estas palavras nos mostram que o lugar de Deus não é um lugar à parte, separado do nosso lugar; a ação de Deus não se dá fora da nossa ação; a palavra de Deus não está distante da palavra que dizemos. Ao contrário, Deus se mistura conosco o tempo todo. Ele entra nas nossas vidas, exatamente, onde estamos vivendo; fala-nos quando estamos falando. Ou seja, Deus não exige, a princípio, que mudemos nada na nossa vida, uma vez que o mais importante não é o que dizemos ou fazemos, e sim, o modo como dizemos e fazemos todas as coisas. Isto é, valem a percepção e a consciência que temos de tudo quanto realizamos. Na verdade, não existe uma atividade humana mais digna ou mais importante do que outra. Todas elas têm o seu valor. O que pode fazer a diferença é o modo com que fazemos aquilo que fazemos, a atitude interior que nos acompanha em cada coisa feita. Assim, Deus é aquele que se faz presente em nosso meio, independentemente do lugar em que estamos e das ações que desenvolvemos. Afinal, tudo pode ser divino, inclusive, nossas ações mais simples, rotineiras e aparentemente insignificantes. Como dizia uma mente lúcida dos nossos tempos: "A ação de uma dona de casa, ao lavar pratos e panelas numa pia de cozinha da sua casa, pode ser tão sagrada quanto a ação de uma sacerdote, ao oferecer o santo sacrifício de uma missa no altar de uma igreja".

2. "Enquanto falavam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja convosco".

Vemos que Jesus só interrompe a conversa dos discípulos para oferecer-lhes a paz, algo de extrema importância à vida deles e de todos nós. Isso, talvez, nos queira indicar que, só vale a pena nos aproximarmos das pessoas, abordá-las ou dizer alguma coisa para elas, se tivermos algo de bom para oferecer-lhes, uma boa palavra a dizer-lhes. Caso contrário, melhor será que permaneçamos calados. Como alguém já dizia: "Só devemos falar quando tivermos a certeza de que a nossa palavra é melhor do que o silêncio". Afinal de contas, não temos o direito de acrescentar sofrimento ao sofrimento que já existe.

3. "Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma".

Isso nos revela a dificuldade que temos em ver as coisas e as pessoas como elas realmente são. Em geral, as vemos como nós estamos e, facilmente, nos projetamos nelas. Daí, a necessidade urgente de estarmos sempre bem, o melhor possível, para vermos tudo com mais clareza. Além do mais, também temos imensa dificuldade em enxergar o lado positivo de todas as coisas. Vivemos terrivelmente condicionados a ver sempre o pior de tudo, interpretando quase todos os acontecimentos da vida pelo seu lado negativo. Ora, já é tempo de sabermos que todas as coisas que existem são passíveis de muitas interpretações. Logo, saibamos escolher as melhores delas. Certamente, não perderemos nada com isso e melhoraremos substancialmente a qualidade das nossas vidas.

4. "Vede as minhas mãos e os meus pés: sou eu mesmo".

Vemos aqui que o ressuscitado tem uma identidade corporal, psíquica e espiritual. Ou seja, o ser humano Jesus, mesmo tendo sido morto e sepultado, não deixou de existir e nem deixou de apresentar, no seu corpo ressuscitado, as marcas da sua existência. Aliás, ninguém deixa de ser o que é, somente pelo fato de ter passado pela experiência da morte. A morte não tem o poder de destruir aquilo que somos nós, essencialmente. Depois da morte, continuamos a viver. É verdade que continuaremos num estado de vida totalmente novo, a vida dos ressuscitados. Entretanto, seremos nós mesmos e não outras pessoas; carregaremos, a exemplo do Cristo ressuscitado, as marcas que a existência, no passar dos anos, nos imprimiu. Numa comparação, podemos dizer que somos como o espaço interno de uma casa. Com o passar do tempo, muitas reformas podem ser empreendidas nessa casa, modificando sua apresentação externa, sua estrutura, a disposição dos seus cômodos, etc. Todavia, depois de cada nova reforma, sempre ficarão, com maior ou menor presença, marcas e resquícios da construção original. Porém, o mais importante de tudo é sabermos que o espaço interno permanece inalterado.

5. "Eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos".

A mensagem destas palavras é clara: quando estamos muito envolvidos emocionalmente, em geral, perdemos o senso real das coisas. Nesta perspectiva, já nos diziam os nossos irmãos orientais que "nunca devemos tomar nenhuma decisão importante quando estivermos muito emocionados", sejam quais forem as emoções, tanto positivas quanto negativas. Sendo assim, o melhor que temos a fazer é deixar baixar a poeira, tomar uma certa distância daquilo que nos acende as emoções, para ver tudo com maior e melhor lucidez.

6. "Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles".

Ora, é sempre em torno de uma mesa de refeição que nós nos aproximamos mais uns dos outros, quebramos a frieza das relações, aparamos arestas, nos conhecemos e nos reconhecemos mais e melhor uns aos outros. Foi isto, precisamente, que aconteceu entre Jesus e seus discípulos. Portanto, nunca rejeitemos as oportunidades de tomar parte numa refeição, de comer alguma coisa com alguém, de participar de algum convívio em torno de uma mesa, ainda que a comida não coincida com o nosso prato preferido ou não esteja muito ao gosto do nosso paladar habitual. São oportunidades únicas que, se bem aproveitadas, podem imprimir mais qualidade às nossas relações e mudar o rumo da nossa vida.

7. "Então, Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as escrituras".

Isto quer dizer que não basta, ao ser humano, ser inteligente, ter cultura, ou manter-se bem informado. É fundamental ter uma inteligência aberta, uma cabeça boa, um espírito sensível e atento frente à realidade. Ou seja, cada vez mais, precisamos de sabedoria e não apenas de cultura, uma vez que os cultos podem conhecer muitas coisas, mas somente os sábios é que são capazes de conhecer o essencial imprescindível.