quinta-feira, 7 de maio de 2009

V DOMINGO DA PÁSCOA (Jo 15, 1-8)

1. O evangelho da videira ajuda-nos a responder a questão mais importante da nossa vida: quem somos nós? Em outras palavras: quem sou eu, quem é você, de onde viemos e para onde vamos? Aliás, antes de sabermos qualquer coisa sobre o que quer que seja, precisamos ter clareza sobre os nossos pressupostos antropológicos, sobre o conceito que temos a respeito do ser humano em geral e do ser humano que somos nós, particularmente. Afinal, nada podemos conhecer se não nos conhecemos. No evangelho, Jesus aponta-nos um caminho nesta direção, dizendo-nos: "Eu sou a videira, vós sois os ramos". Nasce assim, uma antropologia totalmente nova e distinda das demais, à medida que nos faz perceber que a nossa identidade verdadeira não pode ser forjada em nós mesmos, nos outros, nas coisas ou em qualquer outro fator fora de nós. Por mais inteligentes e capazes que sejamos, não somos e nunca seremos a explicação de nós mesmos. Nada nem ninguém neste mundo tem o poder de dar-nos nossa real identidade. Só Deus.

2. Portanto, nesta busca imperiosa de auto-conhecimento, somos chamados a desfazer-nos das nossas falsas identidades e, ao mesmo tempo, desafiados a superar algumas das mais frequentes tentações que temos, tais como:

1ª) A tentação de achar que somos o nosso corpo físico, com a sua aparência, beleza, força, vitalidade e saúde. Ora, isso tudo tem o seu lugar e a sua importãncia. Porém, nunca é demais lembrar que o corpo muda, adoece, envelhece e morre.

2ª) A tentação de achar que somos a nossa inteligência racional, nossa capacidade intelectual ou nossos conhecimentos. Ora, é muito bom saber das coisas, ter conhecimento amplo, adquirir cultura, etc. Entretanto, esta capacidade humana, por mais brilhante que seja, é sempre muito limitada. Quanto mais conhecemos, se o fazemos de verdade, mais temos a conhecer e menos satisfeitos estamos. Por isso, já dizia Sócrates: "Só sei que nada sei".

3ª) A tentação de achar que somos aquilo que sentimos. Ora, os sentimentos são, naturalmente, muitíssimo vulneráveis. Existem, hoje, de um modo e, amanhã, podem mudar totalmente ou, simplesmente, deixar de existir.

4ª) A tentação de achar que somos os nossos relacionamentos. Ora, as pessoas com quem nos relacionamos, por melhores que tenham sido para nós até agora, não estão livres de cometer erros, de nos frustar, nos decepcionar, nos trair, etc., e, efetivamente, o fazem, mais cedo ou mais tarde. Além do mais, não seria nada justo, nos tornarmos reféns das pessoas com quem convivemos.

Conclusão: não podemos procurar nossa identidade verdadeira e definitiva em realidades que mudam constantemente; que são hoje, não foram ontem e podem voltar a não ser amanhã. Pois, ao contrário, somos aquilo que não muda em nós; que era ontem, que é hoje e continuará a ser por todo o sempre. Somos a nossa essência espiritual, nossa ligação com a videira. Deste modo, o grande desafio da vida é o de tomarmos conhecimento do que passa para abraçarmos o que não passa. E, nesta perspectiva, o nosso corpo, nossa inteligência, nossos sentimentos e nossos relacionamentos, devem ser instrumentos à serviço desta consciência espiritual. Sendo assim, se desejamos, de fato, responder quem somos nós, a única resposta segura é: somos a nossa ligação com a videira, que é Deus. E, mais do que isto, somos a consciência que temos e a experiência prática que fazemos desta ligação.

3. Já dizia um desses homens lúcidos do nosso tempo: "Há muitas coisas em um ser humano. Porém, há nele um espaço sagrado que não pode ser atingido por nenhuma perturbação, por nenhuma dor, tristeza, calúnia ou perseguição e, nem mesmo, pela morte". Trata-se do lugar de Deus em nós, o único capaz de nos definir verdadeiramente. Aquele que carrega consigo essa consciência da presença de Deus em si, não se perturbará facilmente com coisa alguma; saberá sempre qual a sua identidade e qual o seu fundamento. E isto lhe basta. É tudo de que precisa para bem viver. Oxalá que aconteça conosco.